sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Todos os Santos

1º de novembro de 2008.

Hoje é dia de todos os Santos.
De todos os Silva, de todos os Maia e todos os Cunha.
É dia de celebrar todos os Santos.
Os já festejados, os quase esquecidos.
Os mais procurados, os desvalidos.
É dia de todos.
É dia de santo.
É dia de prece.

No dia de hoje rogo a Santana.
Padroeira compadecida de nossa humanidade.
[Divina? Maldita? Nossa. Só nossa]
Que inspire os caminhantes.
Que inspire os passageiros.
E os que escolhem a beira, a margem da estrada.
Que os inspire também.
Rogo a Santana que olhe por nós.
Por todos nós.
E se não for pedir muito,
Que desate mesmo os apuros.
Porque o negócio não está fácil por aqui.
Não está não.

Santana
(Lenine)

A santa de Santana chorou sangue
Chorou sangue,
Chorou sangue, era tinta vermelha
A nossa santa padroeira chorou sangue
Chorou sangue
Chorou sangue, era Deus e beleza,
Despego meu;
Quem girou a moenda partiu,
Na pressa o rosário quebrou,
Chorou, ah, chorou,
Louveira santa, desata o apuro
Leve e tanto, sempre sido só
Tange solto, quebrado, quebrado
Claro Carmo, nossa sede, obá.
Madeira oca estende o apulso
Capela sertana, sementeiro
Lajedo molhado, pisado, pisado
Claro Carmo, nossa sede, obá, ô
Nossa sede, obá, ô
Nossa sede, obá

Todos os Santos

1º de novembro de 2008.

Hoje é dia de todos os Santos.
De todos os Silva, de todos os Maia e todos os Cunha.
É dia de celebrar todos os Santos.
Os já festejados, os quase esquecidos.
Os mais procurados, os desvalidos.
É dia de todos.
É dia de santo.
É dia de prece.

No dia de hoje rogo a Santana.
Padroeira compadecida de nossa humanidade.
[Divina? Maldita? Nossa. Só nossa]
Que inspire os caminhantes.
Que inspire os passageiros.
E os que escolhem a beira, a margem da estrada.
Que os inspire também.
Rogo a Santana que olhe por nós.
Por todos nós.
E se não for pedir muito,
Que desate mesmo os apuros.
Porque o negócio não está fácil por aqui.
Não está não.

Santana
(Lenine)

A santa de Santana chorou sangue
Chorou sangue,
Chorou sangue, era tinta vermelha
A nossa santa padroeira chorou sangue
Chorou sangue
Chorou sangue, era Deus e beleza,
Despego meu;
Quem girou a moenda partiu,
Na pressa o rosário quebrou,
Chorou, ah, chorou,
Louveira santa, desata o apuro
Leve e tanto, sempre sido só
Tange solto, quebrado, quebrado
Claro Carmo, nossa sede, obá.
Madeira oca estende o apulso
Capela sertana, sementeiro
Lajedo molhado, pisado, pisado
Claro Carmo, nossa sede, obá, ô
Nossa sede, obá, ô
Nossa sede, obá

O Último Grito da Moda em Paris

Atenção! Atenção!
Está no O Globo on line: “Especialistas em cores garantem que o verde claro vai bombar na decoração em 2009”!

[...]

Calma, calma, me deixa explicar!

Correndo os olhos pelo jornal de hoje, dei risada desse título e já ia passando batida quando parei e pensei que poderia dar uma chance a essa matéria que, apesar de aparentemente esdrúxula – “pré-conceito”??? –, havia me feito rir só com a chamada.

Resolvi clicar.

E lá estava o artigo dizendo, entre outras coisas, que o “cheiro-verde” é a “aposta da Coral” para a “cor de 2009” [HAHAHAHAH...]. Disse ainda que para chegarem a essa conclusão um “estudo mundial” teve que ser feito, no qual “especialistas em cores do mundo” todo realizaram uma espécie de “estudo antropológico”!

[isso mesmo! Um estudo A-N-T-R-O-P-O-L-Ó-G-I-C-O. Que descobriu que o C-H-E-I-R-O V-E-R-D-E está na moda!!!]

Diz a matéria que, segundo a gerente de “colour marketing” da Coral, “o resgate da natureza na vida das pessoas é uma tendência mundial”, que esse é “um verde refrescante e relaxante” [AHAHAHAHA...], e que é uma cor “fácil de se trabalhar” em ambientes mais modernos. Um arquiteto amigo de alguém – ou da Coral ou do O Globo – disse que concorda com a moça do marketing e que “a cor cheiro-verde tem tudo para pegar”!!!

[Na minha cozinha, por exemplo, já um sucesso há um tempão...]

Aí chamaram um psicólogo – que também é químico, veja só! – para falar sobre o tal do “cheiro-verde” que está na moda. O psicólogo disse que o fato do verde claro ter sido apontado como “tendência mundial de 2009 reflete que o inconsciente coletivo está impulsionado pela busca da vida”.

[Sabia que o meu interesse pela matéria tinha algum motivo! Eu sabia!!!]

E isso revela, segundo o psicólogo – fascinado pela química –, uma “consciência da finitude do planeta em função da própria interferência do homem no meio”. O tal verde claro nos ambientes internos, segundo o ele, seria “uma opção bem interessante por representar o desenvolvimento da vida, algo que está crescendo, brotando”.

E eu dou uma chance para vocês adivinharem a cor que usei para pintar uma parede do meu quarto no ano passado.

Errou quem falou cheiro-verde!
Eu usei o “verde-coentro” – que dá mais vida e muuuuito mais sabor!!!

Eu sou vanguarda, bem!
Nem vem.

O Último Grito da Moda em Paris

Atenção! Atenção!
Está no O Globo on line: “Especialistas em cores garantem que o verde claro vai bombar na decoração em 2009”!

[...]

Calma, calma, me deixa explicar!

Correndo os olhos pelo jornal de hoje, dei risada desse título e já ia passando batida quando parei e pensei que poderia dar uma chance a essa matéria que, apesar de aparentemente esdrúxula – “pré-conceito”??? –, havia me feito rir só com a chamada.

Resolvi clicar.

E lá estava o artigo dizendo, entre outras coisas, que o “cheiro-verde” é a “aposta da Coral” para a “cor de 2009” [HAHAHAHAH...]. Disse ainda que para chegarem a essa conclusão um “estudo mundial” teve que ser feito, no qual “especialistas em cores do mundo” todo realizaram uma espécie de “estudo antropológico”!

[isso mesmo! Um estudo A-N-T-R-O-P-O-L-Ó-G-I-C-O. Que descobriu que o C-H-E-I-R-O V-E-R-D-E está na moda!!!]

Diz a matéria que, segundo a gerente de “colour marketing” da Coral, “o resgate da natureza na vida das pessoas é uma tendência mundial”, que esse é “um verde refrescante e relaxante” [AHAHAHAHA...], e que é uma cor “fácil de se trabalhar” em ambientes mais modernos. Um arquiteto amigo de alguém – ou da Coral ou do O Globo – disse que concorda com a moça do marketing e que “a cor cheiro-verde tem tudo para pegar”!!!

[Na minha cozinha, por exemplo, já um sucesso há um tempão...]

Aí chamaram um psicólogo – que também é químico, veja só! – para falar sobre o tal do “cheiro-verde” que está na moda. O psicólogo disse que o fato do verde claro ter sido apontado como “tendência mundial de 2009 reflete que o inconsciente coletivo está impulsionado pela busca da vida”.

[Sabia que o meu interesse pela matéria tinha algum motivo! Eu sabia!!!]

E isso revela, segundo o psicólogo – fascinado pela química –, uma “consciência da finitude do planeta em função da própria interferência do homem no meio”. O tal verde claro nos ambientes internos, segundo o ele, seria “uma opção bem interessante por representar o desenvolvimento da vida, algo que está crescendo, brotando”.

E eu dou uma chance para vocês adivinharem a cor que usei para pintar uma parede do meu quarto no ano passado.

Errou quem falou cheiro-verde!
Eu usei o “verde-coentro” – que dá mais vida e muuuuito mais sabor!!!

Eu sou vanguarda, bem!
Nem vem.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Encontros

(Ginger Rogers e Fred Astaire in "The Waltz in Swing Time" de Swing Time, 1936)

[Escrito no Vôo Gol 2343, BSB-GIG]

Caro Senhor dos Olhos Azuis,

O meu dia não estava sendo nada fácil. Nada mesmo. Agradeci aos céus por aquela viagem de última hora, aos trancos e barrancos, para Brasília. Por um instante cheguei a acreditar que os problemas ficariam em casa, mas logo me lembrei de Hilda Hilst que dizia: “Tu não te moves de ti”, babe...
 
E lá fui eu comigo mesma para o Distrito Federal.

Quando você me olhou da poltrona ao lado, com aqueles grandes olhos azuis, confesso que pensei: “se prepara, porque a viagem vai ser longa”.

Me incomodei mesmo, admito. Esperei o pior e logo tratei de sacar um livro de dentro da bolsa vermelha para tentar me proteger, me isolar de você e do resto do mundo, que hoje – especialmente hoje – está me assustando bastante.

Me agarrei a Barthes como de costume e fui sentindo o coração desacelerar à medida em que ele me acolhia em suas palavras inscritas nas páginas já amareladas daquele livro tão gasto, tão puído, tão manuseado ao longo de tantos anos.

Na primeira pausa me estiquei na poltrona, olhei pela janela, aceitei uma bebida, e voltei com Barthes para a bolsa vermelha. É que ele sempre exige muito de mim e eu só sobrevivo a ele do meu jeito. Não tem jeito. Vou lendo aos poucos, de trás para a frente, aleatoriamente. Prefiro assim.

Só que nesse momento percebi que você continuava a me olhar.

Rapidamente voltei à minha bolsa e saquei de lá Sempé e Goscinny, que têm me acompanhado ao trabalho desde que Hugo começou a insistir para eu que escrevesse no blog sobre o seu novo amigo, Nicolau. Sobre Nicolau ainda não escrevi nada, mas, lembrando-me disso, pensei que aquela poderia ser uma boa oportunidade de conhecer mais uma de suas aventuras - afinal, para desanuviar a mente não há nada melhor do que... crianças.

[A propósito, a historinha sobre o encontro de Nicolau com Luisinha, a “menina” de sua vida, é sensacional. Ela é sonsa, implicante, chantagista, quebra a vidraça da casa dele com uma bolada, ele aceita levar a culpa, fica de castigo em seu lugar, fica sem sobremesa no jantar e conclui antes de dormir: “Quando a gente crescer, a gente vai se casar. Ela tem um chute incrível!”. Humano demasiado humano...]

E então, nesse momento, o inusitado acontece. Sem a menor cerimônia, você interrompe a minha importante leitura e pergunta:
- Você lê muito?

Confusa, respondo:
- Não tanto quando gostaria...
- E que livros são esses que você está lendo?

Muito desconcertada com a pergunta e incomodada com a firmeza com que me inquiria – como se tivesse um propósito claro, como se soubesse exatamente onde chegaria com aquilo –, respondi:
- Roland Barthes. E o outro... é um livro infantil do meu filho.

Pronto - pensei: “O que será que esse cara vai pensar de uma mulher que fica lendo livro de criança no avião?”

E, surpreendentemente, você não se admirou. E perguntou:
- E quantos anos tem o seu filho?

Pronto – pensei comigo: “O próximo passo vai ser pedir o meu telefone. E esse eu juro que vou mandar para o inferno! Ah, vou”.

- Sete.
- E ele gosta de ler?
- Gosta. E esse livrinho...

Mas antes que eu começasse a explicar o que o livro do meu filho estava fazendo dentro da minha bolsa, com uma convicção incrível você disse:

- Ele precisa ler Dom Quixote. Saiu agora uma edição nova, em formato de quadrinhos, exatamente para crianças da idade dele. E prosseguiu – E você deve estar se perguntando como eu sei disso...

Juro que não me perguntei nada, mas também não lhe contei isso. Preferi ficar em silêncio enquanto se explicava:

- É que dei esse livro de presente ao meu neto no seu aniversário...

E antes que eu tivesse tempo de pensar em qualquer coisa para falar a respeito do assunto, você abruptamente esticou a mão em direção a Barthes e disse “me deixa ver esse livro aqui”, tirando-o das minhas mãos como se tira o doce da boca de uma criança.

Fiquei MUITO puta - lógico - e tive vontade de lhe mandar à merda. Mais ainda porque enquanto você folheava meus “fragmentos” - de um Discurso Amoroso -, tive a nítida sensação de que tinha sido descoberta, revelada, como se pudesse ali, naquele momento, desvendar os meus segredos mais bem guardados.

E antes que começasse a pensar em destilar um ácido comentário sobre aquele seu assalto, fui novamente surpreendida:

- Você trabalha com lingüística?!
- Não! – Respondi impaciente.
- Filosofia?
- Não! Sou advogada!
- Hum...

E após a leitura de duas linhas aleatórias escolhidas em uma página qualquer, você me devolveu o livro e disse com um ar de felicidade:

- Há muito tempo não via um livro assim.
- Assim como??? – Perguntei assustada.
- Assim... tão querido, tão precioso, tão importante.

Fiquei muda.
Você conseguiu enxergar o valor daquele livro para mim só em olhar para ele, para suas páginas amareladas, sua encadernação desgastada, rota, consumida por minhas mãos – por meus olhos – ao longo de todos esses anos...

- Você já leu Ulisses, de James Joyce, e Dom Quixote, de Cervantes?

Pronto – pensei comigo – agora ele vai me achar uma ignorante completa...
- Não, apesar de conhecer as histórias...
- Sabe, da literatura universal, eu acho que são as obras que melhor retratam a natureza humana. E é isso que te interessa, não é?! - perguntou baixinho, como se olhasse no fundo da minha alma e já soubesse a resposta.

- Sim. É isso - Contei-lhe com os olhos brilhando, já não escondendo a admiração que estava sentindo.
- Pois, então, leia-os.

E continuou:
– Vou lhe contar um segredo: o meu Dom Quixote é igual a esse seu aí... – apontando para Barthes – Já li umas oito vezes ao longo da minha vida.

E, antes que prosseguisse, foi a minha vez de completar:
- E cada vez que o relê é uma nova história que conhece... são novos os "fragmentos" que descobre aí dentro...
[Silêncio]
- Sim. É isso...

Então, tive vontade de lhe contar um segredo meu:
- A vida me encanta tanto... que eu acabo aprendendo mais na prática do que na teoria.
- ... Mas o importante é aprender. Sempre. Seja como for – você disse enquanto voltava o olhar para a poltrona da frente.

Feliz, feliz, por ter me dado a chance de conhecer uma pessoa tão especial – o que não acontece a qualquer hora –, voltei os olhos para Barthes, mas mal consegui retomar a leitura e já percebi que era hora de desembarcar.

Sem que trocássemos mais uma palavra sequer, você se levantou, sorriu para mim, sacou do alto do bagageiro uma linda bolsa vermelha e partiu.

E eu, que costumo ser a mais apressada para descer, fiquei ali, sentada, olhando você ir embora, observando seus passos tranqüilos, com a certeza de que havia aprendido mais uma lição: sobre os encontros.

O real sentido da vida está exatamente nos encontros - sejam eles belos, acanhados, tortos, desajeitados -, porque neles nos apresentamos. E para isso relembramos a nós mesmos quem somos. E reafirmamos. Ou reajustamos. Retificamos. Aprimoramos. Caminhamos... caminhamos... caminhamos.

Agradeço a você, caro Senhor dos Olhos Azuis, por nosso magnífico encontro, que - tenho certeza -, como todo magnífico encontro, se torna eterno dentro de nós, e, não por outra razão, dispensa despedidas...

Um grande beijo.

[Nota aos leitores: vale registrar que o Senhor dos Olhos Azuis, destinatário desta carta, deve ter entre 70 e 80 anos de idade, enquanto a “Velha Filha da Puta” do texto anterior não passa dos 60...]

Encontros

(Ginger Rogers e Fred Astaire in "The Waltz in Swing Time" de Swing Time, 1936)

[Escrito no Vôo Gol 2343, BSB-GIG]

Caro Senhor dos Olhos Azuis,

O meu dia não estava sendo nada fácil. Nada mesmo. Agradeci aos céus por aquela viagem de última hora, aos trancos e barrancos, para Brasília. Por um instante cheguei a acreditar que os problemas ficariam em casa, mas logo me lembrei de Hilda Hilst que dizia: “Tu não te moves de ti”, babe...
 
E lá fui eu comigo mesma para o Distrito Federal.

Quando você me olhou da poltrona ao lado, com aqueles grandes olhos azuis, confesso que pensei: “se prepara, porque a viagem vai ser longa”.

Me incomodei mesmo, admito. Esperei o pior e logo tratei de sacar um livro de dentro da bolsa vermelha para tentar me proteger, me isolar de você e do resto do mundo, que hoje – especialmente hoje – está me assustando bastante.

Me agarrei a Barthes como de costume e fui sentindo o coração desacelerar à medida em que ele me acolhia em suas palavras inscritas nas páginas já amareladas daquele livro tão gasto, tão puído, tão manuseado ao longo de tantos anos.

Na primeira pausa me estiquei na poltrona, olhei pela janela, aceitei uma bebida, e voltei com Barthes para a bolsa vermelha. É que ele sempre exige muito de mim e eu só sobrevivo a ele do meu jeito. Não tem jeito. Vou lendo aos poucos, de trás para a frente, aleatoriamente. Prefiro assim.

Só que nesse momento percebi que você continuava a me olhar.

Rapidamente voltei à minha bolsa e saquei de lá Sempé e Goscinny, que têm me acompanhado ao trabalho desde que Hugo começou a insistir para eu que escrevesse no blog sobre o seu novo amigo, Nicolau. Sobre Nicolau ainda não escrevi nada, mas, lembrando-me disso, pensei que aquela poderia ser uma boa oportunidade de conhecer mais uma de suas aventuras - afinal, para desanuviar a mente não há nada melhor do que... crianças.

[A propósito, a historinha sobre o encontro de Nicolau com Luisinha, a “menina” de sua vida, é sensacional. Ela é sonsa, implicante, chantagista, quebra a vidraça da casa dele com uma bolada, ele aceita levar a culpa, fica de castigo em seu lugar, fica sem sobremesa no jantar e conclui antes de dormir: “Quando a gente crescer, a gente vai se casar. Ela tem um chute incrível!”. Humano demasiado humano...]

E então, nesse momento, o inusitado acontece. Sem a menor cerimônia, você interrompe a minha importante leitura e pergunta:
- Você lê muito?

Confusa, respondo:
- Não tanto quando gostaria...
- E que livros são esses que você está lendo?

Muito desconcertada com a pergunta e incomodada com a firmeza com que me inquiria – como se tivesse um propósito claro, como se soubesse exatamente onde chegaria com aquilo –, respondi:
- Roland Barthes. E o outro... é um livro infantil do meu filho.

Pronto - pensei: “O que será que esse cara vai pensar de uma mulher que fica lendo livro de criança no avião?”

E, surpreendentemente, você não se admirou. E perguntou:
- E quantos anos tem o seu filho?

Pronto – pensei comigo: “O próximo passo vai ser pedir o meu telefone. E esse eu juro que vou mandar para o inferno! Ah, vou”.

- Sete.
- E ele gosta de ler?
- Gosta. E esse livrinho...

Mas antes que eu começasse a explicar o que o livro do meu filho estava fazendo dentro da minha bolsa, com uma convicção incrível você disse:

- Ele precisa ler Dom Quixote. Saiu agora uma edição nova, em formato de quadrinhos, exatamente para crianças da idade dele. E prosseguiu – E você deve estar se perguntando como eu sei disso...

Juro que não me perguntei nada, mas também não lhe contei isso. Preferi ficar em silêncio enquanto se explicava:

- É que dei esse livro de presente ao meu neto no seu aniversário...

E antes que eu tivesse tempo de pensar em qualquer coisa para falar a respeito do assunto, você abruptamente esticou a mão em direção a Barthes e disse “me deixa ver esse livro aqui”, tirando-o das minhas mãos como se tira o doce da boca de uma criança.

Fiquei MUITO puta - lógico - e tive vontade de lhe mandar à merda. Mais ainda porque enquanto você folheava meus “fragmentos” - de um Discurso Amoroso -, tive a nítida sensação de que tinha sido descoberta, revelada, como se pudesse ali, naquele momento, desvendar os meus segredos mais bem guardados.

E antes que começasse a pensar em destilar um ácido comentário sobre aquele seu assalto, fui novamente surpreendida:

- Você trabalha com lingüística?!
- Não! – Respondi impaciente.
- Filosofia?
- Não! Sou advogada!
- Hum...

E após a leitura de duas linhas aleatórias escolhidas em uma página qualquer, você me devolveu o livro e disse com um ar de felicidade:

- Há muito tempo não via um livro assim.
- Assim como??? – Perguntei assustada.
- Assim... tão querido, tão precioso, tão importante.

Fiquei muda.
Você conseguiu enxergar o valor daquele livro para mim só em olhar para ele, para suas páginas amareladas, sua encadernação desgastada, rota, consumida por minhas mãos – por meus olhos – ao longo de todos esses anos...

- Você já leu Ulisses, de James Joyce, e Dom Quixote, de Cervantes?

Pronto – pensei comigo – agora ele vai me achar uma ignorante completa...
- Não, apesar de conhecer as histórias...
- Sabe, da literatura universal, eu acho que são as obras que melhor retratam a natureza humana. E é isso que te interessa, não é?! - perguntou baixinho, como se olhasse no fundo da minha alma e já soubesse a resposta.

- Sim. É isso - Contei-lhe com os olhos brilhando, já não escondendo a admiração que estava sentindo.
- Pois, então, leia-os.

E continuou:
– Vou lhe contar um segredo: o meu Dom Quixote é igual a esse seu aí... – apontando para Barthes – Já li umas oito vezes ao longo da minha vida.

E, antes que prosseguisse, foi a minha vez de completar:
- E cada vez que o relê é uma nova história que conhece... são novos os "fragmentos" que descobre aí dentro...
[Silêncio]
- Sim. É isso...

Então, tive vontade de lhe contar um segredo meu:
- A vida me encanta tanto... que eu acabo aprendendo mais na prática do que na teoria.
- ... Mas o importante é aprender. Sempre. Seja como for – você disse enquanto voltava o olhar para a poltrona da frente.

Feliz, feliz, por ter me dado a chance de conhecer uma pessoa tão especial – o que não acontece a qualquer hora –, voltei os olhos para Barthes, mas mal consegui retomar a leitura e já percebi que era hora de desembarcar.

Sem que trocássemos mais uma palavra sequer, você se levantou, sorriu para mim, sacou do alto do bagageiro uma linda bolsa vermelha e partiu.

E eu, que costumo ser a mais apressada para descer, fiquei ali, sentada, olhando você ir embora, observando seus passos tranqüilos, com a certeza de que havia aprendido mais uma lição: sobre os encontros.

O real sentido da vida está exatamente nos encontros - sejam eles belos, acanhados, tortos, desajeitados -, porque neles nos apresentamos. E para isso relembramos a nós mesmos quem somos. E reafirmamos. Ou reajustamos. Retificamos. Aprimoramos. Caminhamos... caminhamos... caminhamos.

Agradeço a você, caro Senhor dos Olhos Azuis, por nosso magnífico encontro, que - tenho certeza -, como todo magnífico encontro, se torna eterno dentro de nós, e, não por outra razão, dispensa despedidas...

Um grande beijo.

[Nota aos leitores: vale registrar que o Senhor dos Olhos Azuis, destinatário desta carta, deve ter entre 70 e 80 anos de idade, enquanto a “Velha Filha da Puta” do texto anterior não passa dos 60...]

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Todos os Caminhos me levam ao Aeroporto

Acordar sozinha em casa numa quarta-feira preguiçosa, ir ao trabalho no horário de sempre, almoçar pensativa no restaurante de sempre, e receber a notícia de que terei que pegar o próximo vôo para Brasília, não tem preço.
Esta cidade nunca foi tão amada por mim como hoje.
Acreditem.
Vou ali e já volto.
Beijos. Muitos beijos a todos.

Todos os Caminhos me levam ao Aeroporto

Acordar sozinha em casa numa quarta-feira preguiçosa, ir ao trabalho no horário de sempre, almoçar pensativa no restaurante de sempre, e receber a notícia de que terei que pegar o próximo vôo para Brasília, não tem preço.
Esta cidade nunca foi tão amada por mim como hoje.
Acreditem.
Vou ali e já volto.
Beijos. Muitos beijos a todos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Para Além do meu Saco!

Prezada Senhora da Uno,

Tudo o que eu queria àquela altura do campeonato era estacionar o meu carro, calmamente, e sair para almoçar. Nada mais, nada menos.

Depois de subir umas cinco ou seis rampas do estacionamento daquele shopping mais conhecido por suas subidas do que por seu terraço, por seus restaurantes, seus atrativos, você escolheu colar justamente no meu carro. Justo no meu carro. Por que logo no meu? Tantas outras pessoas tentando estacionar os seus carros no shopping, calmamente, e sair para almoçar, mas você escolheu justo o meu carro.

Tudo bem. A senhora deve ter tido os seus motivos, entendo, mas eu também não estava num bom dia. Avistei a vaga e só conseguia pensar em estacionar o carro, calmamente, e sair para almoçar. Eu não vi a senhora. Só vi a vaga. E queria estacionar. A senhora também não me viu. Sabe-se lá o que viu além do caminho. Aquele obstado por mim. Que queria passar. Que queria seguir. Que queria ir. Não nos importamos com nada além daquele impulso, daquele movimento ego-centrado. Você poderia ter voltado um pouco atrás, eu poderia ter ido mais à frente. Mas não. Não deu. Batemos. O choque foi uma bobagem, não houve dano, não houve vítima. Foi apenas o susto, o sobressalto, o despertar, a certeza do que somos, ali, frente a frente, ao lado dos carros intactos.

“Vamos ver o estrago que você fez no meu carro”, você disse.
“Não há qualquer estrago, minha senhora, já pude ver. Houve apenas uma distração e um susto, pelos quais me desculpo na medida de minha responsabilidade”.
“Você viu o que fez com o meu carro?”, você disse.
“Estava apenas tentando estacionar o meu carro, que acabou encostando ao seu. Não percebi que o carro da senhora, que vinha atrás, estava tão próximo ao meu”.
“É... visivelmente, não houve nada. Mas eu quero o seu telefone para ligar caso perceba, mais tarde (!!!), ter havido alguma avaria no meu automóvel”, você disse.

Velha filha da puta. Foi aí a minha desgraça. Eu tentei me manter calma, lúcida e educada o tempo todo, mas as pessoas não são assim. As pessoas são mesquinhas. São filhas da puta. São egoístas, manipuladoras e... filhas da puta (de novo)! Naquele momento em que a desgraçada me pediu o telefone eu deveria ter lhe dito apenas:

- Minha senhora, eu não reconheço ter sido a causadora de NENHUMA avaria no seu automóvel que, diga-se de passagem, VINHA NA MINHA TRASEIRA E NÃO MANTINHA A DISTÂNCIA ADEQUADA E NECESSÁRIA À SEGURANÇA DE TODOS NÓS. Se quiser, fique a vontade para anotar a minha placa.

E então eu poderia virar às costas, trancar o meu carro, calmamente, e sair para almoçar.

Mas não. “Pobre” velha filha da puta e problemática. Ela não tem culpa de ser neurótica. Não vou ser mal-educada. Vou dar o exemplo de boa-educação e civilidade.
E para quê, porra?! Eu agora me pergunto! Para quê??!!

A desgraçada da velha além de me destratar, de tentar transferir para mim uma responsabilidade que era nossa – por um fato que não teve qualquer implicação prática, diga-se de passagem – ainda quis o meu telefone, deixando clara toda a sua prepotência!

Porra, isso é inacreditável! É o cúmulo da arrogância!
E o pior: EU DEI! Eu dei a porra do meu cartão para aquela velha desgraçada!
E sabe para quê? Para não ser mal-educada. Para ser razoável. Equilibrada. Para tentar resolver a situação de forma civilizada.
E para quê - eu pergunto? Para absolutamente nada. Para porra nenhuma!

Me agredi. Me violentei gratuitamente. Por nada. Por ninguém. Em nome de uma aparência. De um conceito. Em nome de uma expectativa perante o olhar do outro, que já não me interessa mais do que o meu próprio. Em nome de uma perfeita conduta impraticável. De uma educação acanhada e mentirosa. De uma pseudo-civilidade hipócrita e babaca.

Um simples “dá licença, minha senhora, tenho mais o que fazer” seria o bastante. Mas não. Eu quis mais. Eu quis fazer melhor do que isso. Eu quis demonstrar uma tolerância, uma paciência e uma isenção que NÃO SÃO MINHAS. Que ótimo. E aqui estou eu, vinte e quatro horas depois, vomitando marimbondo para não morrer envenenada.

Ela foi às suas compras, certamente mais leve. Afinal, conseguiu transferir para mim parte do seu ódio e seguiu em frente – exatamente o que pretendia desde o momento em que se aproximou demasiadamente do meu carro: passar por cima e ir embora.

E eu, como uma boa idiota, segui revoltada para o meu almoço – que foi péssimo – e as fantasias de destruição eram tantas que, na volta, cheguei a procurar o carro da filha da puta da velha no estacionamento para dar uma boa porrada na traseira e deixar um bilhete: “Agora você tem um bom motivo para me ligar, sua velha filha da puta”.

Mas logo me lembrei que dano doloso é crime, e que a minha auto-agressão já havia sido penosa o bastante, não merecendo um novo encontro com aquela velha filha da puta em uma sala de audiências de um Juizado Criminal...

Passou, melhor esquecer.
Vou embora. Escolho sair do meu estacionamento, calmamente.
Ligo o motor e sigo viagem.

Agora... só torço para que ela me ligue.
Ah, isso eu torço...

[E o sorriso me volta aos lábios...]

Para Além do meu Saco!

Prezada Senhora da Uno,

Tudo o que eu queria àquela altura do campeonato era estacionar o meu carro, calmamente, e sair para almoçar. Nada mais, nada menos.

Depois de subir umas cinco ou seis rampas do estacionamento daquele shopping mais conhecido por suas subidas do que por seu terraço, por seus restaurantes, seus atrativos, você escolheu colar justamente no meu carro. Justo no meu carro. Por que logo no meu? Tantas outras pessoas tentando estacionar os seus carros no shopping, calmamente, e sair para almoçar, mas você escolheu justo o meu carro.

Tudo bem. A senhora deve ter tido os seus motivos, entendo, mas eu também não estava num bom dia. Avistei a vaga e só conseguia pensar em estacionar o carro, calmamente, e sair para almoçar. Eu não vi a senhora. Só vi a vaga. E queria estacionar. A senhora também não me viu. Sabe-se lá o que viu além do caminho. Aquele obstado por mim. Que queria passar. Que queria seguir. Que queria ir. Não nos importamos com nada além daquele impulso, daquele movimento ego-centrado. Você poderia ter voltado um pouco atrás, eu poderia ter ido mais à frente. Mas não. Não deu. Batemos. O choque foi uma bobagem, não houve dano, não houve vítima. Foi apenas o susto, o sobressalto, o despertar, a certeza do que somos, ali, frente a frente, ao lado dos carros intactos.

“Vamos ver o estrago que você fez no meu carro”, você disse.
“Não há qualquer estrago, minha senhora, já pude ver. Houve apenas uma distração e um susto, pelos quais me desculpo na medida de minha responsabilidade”.
“Você viu o que fez com o meu carro?”, você disse.
“Estava apenas tentando estacionar o meu carro, que acabou encostando ao seu. Não percebi que o carro da senhora, que vinha atrás, estava tão próximo ao meu”.
“É... visivelmente, não houve nada. Mas eu quero o seu telefone para ligar caso perceba, mais tarde (!!!), ter havido alguma avaria no meu automóvel”, você disse.

Velha filha da puta. Foi aí a minha desgraça. Eu tentei me manter calma, lúcida e educada o tempo todo, mas as pessoas não são assim. As pessoas são mesquinhas. São filhas da puta. São egoístas, manipuladoras e... filhas da puta (de novo)! Naquele momento em que a desgraçada me pediu o telefone eu deveria ter lhe dito apenas:

- Minha senhora, eu não reconheço ter sido a causadora de NENHUMA avaria no seu automóvel que, diga-se de passagem, VINHA NA MINHA TRASEIRA E NÃO MANTINHA A DISTÂNCIA ADEQUADA E NECESSÁRIA À SEGURANÇA DE TODOS NÓS. Se quiser, fique a vontade para anotar a minha placa.

E então eu poderia virar às costas, trancar o meu carro, calmamente, e sair para almoçar.

Mas não. “Pobre” velha filha da puta e problemática. Ela não tem culpa de ser neurótica. Não vou ser mal-educada. Vou dar o exemplo de boa-educação e civilidade.
E para quê, porra?! Eu agora me pergunto! Para quê??!!

A desgraçada da velha além de me destratar, de tentar transferir para mim uma responsabilidade que era nossa – por um fato que não teve qualquer implicação prática, diga-se de passagem – ainda quis o meu telefone, deixando clara toda a sua prepotência!

Porra, isso é inacreditável! É o cúmulo da arrogância!
E o pior: EU DEI! Eu dei a porra do meu cartão para aquela velha desgraçada!
E sabe para quê? Para não ser mal-educada. Para ser razoável. Equilibrada. Para tentar resolver a situação de forma civilizada.
E para quê - eu pergunto? Para absolutamente nada. Para porra nenhuma!

Me agredi. Me violentei gratuitamente. Por nada. Por ninguém. Em nome de uma aparência. De um conceito. Em nome de uma expectativa perante o olhar do outro, que já não me interessa mais do que o meu próprio. Em nome de uma perfeita conduta impraticável. De uma educação acanhada e mentirosa. De uma pseudo-civilidade hipócrita e babaca.

Um simples “dá licença, minha senhora, tenho mais o que fazer” seria o bastante. Mas não. Eu quis mais. Eu quis fazer melhor do que isso. Eu quis demonstrar uma tolerância, uma paciência e uma isenção que NÃO SÃO MINHAS. Que ótimo. E aqui estou eu, vinte e quatro horas depois, vomitando marimbondo para não morrer envenenada.

Ela foi às suas compras, certamente mais leve. Afinal, conseguiu transferir para mim parte do seu ódio e seguiu em frente – exatamente o que pretendia desde o momento em que se aproximou demasiadamente do meu carro: passar por cima e ir embora.

E eu, como uma boa idiota, segui revoltada para o meu almoço – que foi péssimo – e as fantasias de destruição eram tantas que, na volta, cheguei a procurar o carro da filha da puta da velha no estacionamento para dar uma boa porrada na traseira e deixar um bilhete: “Agora você tem um bom motivo para me ligar, sua velha filha da puta”.

Mas logo me lembrei que dano doloso é crime, e que a minha auto-agressão já havia sido penosa o bastante, não merecendo um novo encontro com aquela velha filha da puta em uma sala de audiências de um Juizado Criminal...

Passou, melhor esquecer.
Vou embora. Escolho sair do meu estacionamento, calmamente.
Ligo o motor e sigo viagem.

Agora... só torço para que ela me ligue.
Ah, isso eu torço...

[E o sorriso me volta aos lábios...]

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Languidez

(Solveig Dommartin como Marion em "Asas do Desejo", de Wim Wanders, Alemanha, 1987.)
“Na languidez amorosa, algo se vai, sem fim; é como se o desejo não fosse outra coisa senão essa hemorragia. Eis o cansaço amoroso: uma fonte que não é saciada, um amor escancarado. Ou ainda: todo meu eu é puxado, transferido para o objeto amado que toma o lugar dele: a languidez seria essa passagem extenuante da libido narcísica à libido objetal. (Desejo do ser ausente e desejo do ser presente: a languidez suprime os dois desejos, ela coloca a ausência na presença. Surge daí um estado de contradição: é a ‘queimadura suave’)”.

BARTHES, Roland in “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 137.

Languidez

(Solveig Dommartin como Marion em "Asas do Desejo", de Wim Wanders, Alemanha, 1987.)
“Na languidez amorosa, algo se vai, sem fim; é como se o desejo não fosse outra coisa senão essa hemorragia. Eis o cansaço amoroso: uma fonte que não é saciada, um amor escancarado. Ou ainda: todo meu eu é puxado, transferido para o objeto amado que toma o lugar dele: a languidez seria essa passagem extenuante da libido narcísica à libido objetal. (Desejo do ser ausente e desejo do ser presente: a languidez suprime os dois desejos, ela coloca a ausência na presença. Surge daí um estado de contradição: é a ‘queimadura suave’)”.

BARTHES, Roland in “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 137.

Desejo

“e você vai diz meu outro você vai finalmente me responder eu sofro a tua ausência te quero sonho com você para você contra você me responde teu nome é um perfume espalhado tua cor brilha entre os espinhos faz reviver meu coração com vinho fresco me faz uma colcha de manhãs sufoco sob essa máscara pele drenada arrasada nada existe além do desejo”.
BARTHES, Roland, in "Fragmentos de um Discurso Amoroso", Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 136, cita um trecho da obra de Sollers in "Paradis" (Tel Quel, p. 62).

Desejo

“e você vai diz meu outro você vai finalmente me responder eu sofro a tua ausência te quero sonho com você para você contra você me responde teu nome é um perfume espalhado tua cor brilha entre os espinhos faz reviver meu coração com vinho fresco me faz uma colcha de manhãs sufoco sob essa máscara pele drenada arrasada nada existe além do desejo”.
BARTHES, Roland, in "Fragmentos de um Discurso Amoroso", Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 136, cita um trecho da obra de Sollers in "Paradis" (Tel Quel, p. 62).

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Não diga... O meu é escorpião.

Sol em Escorpião.
23 de outubro a 21 de novembro.
Regente: Plutão.
Elemento: Água.

Nossa, não entendo nada de astrologia, nada mesmo, mas confesso que acredito. Eu acredito! Fico absolutamente encantada ao ouvir determinadas definições tão precisas, tão acertadas, sobre a minha personalidade, concebidas a partir do movimento, da localização dos astros no universo... Tão lindo isso...

Dizem que Freud, por exemplo, nascido em 06 de maio de 1856, que era do signo de touro com ascendente em escorpião, teria sido o “símbolo máximo do eixo touro-escorpião”, já que Eros e Tanatos, o desejo (touro) e a morte (escorpião), são os elementos fundamentais da Psicanálise!

O escorpião simboliza a intensidade emocional, a paixão, o sexo, a necessidade de penetrar nos mistérios da vida, o renascimento pessoal, dos relacionamentos. Os escorpianos vivem “morrendo” de amor, “morrendo” de raiva, “morrendo” de saudade, e morrem simbolicamente por uma única razão: para renascer. Os escorpianos vivem em constante renascimento, em constante transformação.

E como boa escorpiana que sou, às voltas com a travessia anual do seu “inferno astral” – de onde só devo sair no próximo dia 16, quando o Sol passar definitivamente pelo mesmo ponto do Zodíaco que estava quando nasci –, só me resta tentar entender este processo e aproveitar ao máximo cada minuto!

Fui fuçar no Google, lógico!

E descobri que segundo a astróloga Roberta Tótora, o aniversário simboliza o início de uma nova etapa para a consciência, e “os dias que antecedem esta renovação são exatamente os últimos do ciclo anterior que a consciência vinha atravessando”. E isso faz o maior sentido. Olha só:

Segundo a astróloga, “os ciclos representam na Astrologia os estágios de todo e qualquer processo de desenvolvimento e que ‘o final de um ciclo’ se caracteriza por ter uma qualidade de tempo marcada pela agitação, mudança, instabilidade e desordem, somadas à insegurança em relação ao futuro que está por vir”. Isso porque “é no final do ciclo que se esgotam as possibilidades de expressão existentes no seu início e manifestam-se os resíduos responsáveis por sua dissolução”.
.
Achei um barato esse papo e fui em frente!

Ao que parece, “pela técnica da revolução solar, cada mês do ano, a contar da data do aniversário, corresponde a uma determinada casa astrológica ou setor prático da vida de uma pessoa que estará sendo vivido mais intensamente. Assim, no primeiro mês a partir do aniversário, vive-se de forma enfática a casa 1: a pessoa fica mais centrada em si mesma e em seu comportamento. O décimo segundo e último mês do ano corresponde à casa 12, trecho do mapa que analisa os sacrifícios e doações que uma pessoa deve fazer aos outros, sem esperar recompensas para isto”. E o "Inferno Astral" acontece “quando não percebemos que precisamos sair do palco para contemplar mais o mundo e nos desapegarmos, em benefício daqueles que precisam de uma ajuda emocional ou prática. ‘É um período de ser instrumento para o bem dos outros e não estar tão preocupado com causas próprias’".

Ou seja, trocando em miúdos: o final de qualquer coisa é sempre uma merda – a não ser que a coisa em si seja outra merda, quando o fim será um alívio –, o início de tudo sempre dá medo, e meu “Hades particular” está só começando!

Sejam bem vindos!
Entrem e fiquem à vontade! A casa “astral” é de vocês também!!!

Não diga... O meu é escorpião.

Sol em Escorpião.
23 de outubro a 21 de novembro.
Regente: Plutão.
Elemento: Água.

Nossa, não entendo nada de astrologia, nada mesmo, mas confesso que acredito. Eu acredito! Fico absolutamente encantada ao ouvir determinadas definições tão precisas, tão acertadas, sobre a minha personalidade, concebidas a partir do movimento, da localização dos astros no universo... Tão lindo isso...

Dizem que Freud, por exemplo, nascido em 06 de maio de 1856, que era do signo de touro com ascendente em escorpião, teria sido o “símbolo máximo do eixo touro-escorpião”, já que Eros e Tanatos, o desejo (touro) e a morte (escorpião), são os elementos fundamentais da Psicanálise!

O escorpião simboliza a intensidade emocional, a paixão, o sexo, a necessidade de penetrar nos mistérios da vida, o renascimento pessoal, dos relacionamentos. Os escorpianos vivem “morrendo” de amor, “morrendo” de raiva, “morrendo” de saudade, e morrem simbolicamente por uma única razão: para renascer. Os escorpianos vivem em constante renascimento, em constante transformação.

E como boa escorpiana que sou, às voltas com a travessia anual do seu “inferno astral” – de onde só devo sair no próximo dia 16, quando o Sol passar definitivamente pelo mesmo ponto do Zodíaco que estava quando nasci –, só me resta tentar entender este processo e aproveitar ao máximo cada minuto!

Fui fuçar no Google, lógico!

E descobri que segundo a astróloga Roberta Tótora, o aniversário simboliza o início de uma nova etapa para a consciência, e “os dias que antecedem esta renovação são exatamente os últimos do ciclo anterior que a consciência vinha atravessando”. E isso faz o maior sentido. Olha só:

Segundo a astróloga, “os ciclos representam na Astrologia os estágios de todo e qualquer processo de desenvolvimento e que ‘o final de um ciclo’ se caracteriza por ter uma qualidade de tempo marcada pela agitação, mudança, instabilidade e desordem, somadas à insegurança em relação ao futuro que está por vir”. Isso porque “é no final do ciclo que se esgotam as possibilidades de expressão existentes no seu início e manifestam-se os resíduos responsáveis por sua dissolução”.
.
Achei um barato esse papo e fui em frente!

Ao que parece, “pela técnica da revolução solar, cada mês do ano, a contar da data do aniversário, corresponde a uma determinada casa astrológica ou setor prático da vida de uma pessoa que estará sendo vivido mais intensamente. Assim, no primeiro mês a partir do aniversário, vive-se de forma enfática a casa 1: a pessoa fica mais centrada em si mesma e em seu comportamento. O décimo segundo e último mês do ano corresponde à casa 12, trecho do mapa que analisa os sacrifícios e doações que uma pessoa deve fazer aos outros, sem esperar recompensas para isto”. E o "Inferno Astral" acontece “quando não percebemos que precisamos sair do palco para contemplar mais o mundo e nos desapegarmos, em benefício daqueles que precisam de uma ajuda emocional ou prática. ‘É um período de ser instrumento para o bem dos outros e não estar tão preocupado com causas próprias’".

Ou seja, trocando em miúdos: o final de qualquer coisa é sempre uma merda – a não ser que a coisa em si seja outra merda, quando o fim será um alívio –, o início de tudo sempre dá medo, e meu “Hades particular” está só começando!

Sejam bem vindos!
Entrem e fiquem à vontade! A casa “astral” é de vocês também!!!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Jornada dos Elefantes


Foi com imensa alegria que recebi a notícia de que o novo livro de José Saramago está terminado. Acabado. Finalizado. Pronto.
Foi no O Globo.
Foi outro dia.
Não falei nada antes porque achei que não tinha nada a ver.
Agora acho que tem.

O romance – que segundo Saramago não é romance, mas um conto – se chama “A Viagem do Elefante” e, como bem conta a jornalista Pilar del Rio, no blog da Fundação José Saramago, “descreve a viagem, ao mesmo tempo épica, prosaica e jovial, de um elefante asiático chamado Salomão, que, no século XVI, por alguns caprichos reais e absurdos desígnios teve de percorrer mais de metade da Europa”.

Diz Pilar que “A Viagem do Elefante é um livro coral onde as personagens entram, saem e se renovam de acordo com as peculiares exigências narrativas que o autor se impôs e lhes impôs. O elefante e o seu cornaca têm nome, como outras personagens que figuram nos manuais de história, embora apareçam também pessoas anónimas, gente com quem os membros da caravana se vão cruzando e com quem partilham perplexidades, esforços, ou a harmoniosa alegria de um tecto depois de tantas noites dormidas à intempérie”.

Pilar ainda adianta que “A Viagem do Elefante está pontuado de acordo com as regras de Saramago, os diálogos intercalam-se na narração, um todo que o leitor tem de organizar de acordo com a sua própria respiração. O leitor, esse ser fundamental que Saramago considera e respeita e a quem continuamente interpela, seja adiantando-lhe consequências de certos actos ou recordando-lhe outros, implicando-o no texto, porque escrever, como ler, não são acções inocentes, são tentativas para forçar a inteligência a ir um pouco mais longe, mais além de Viena, de Valladolid ou de Lisboa, mais além do que éramos ao acordar de manhã e encontrar-nos com mais um dia pela frente”.

Pois é, meus queridos... De fato, não sei o que nos reserva este livro-conto – no mínimo uma intensa viagem, em se tratando de uma obra de Saramago –, mas, sinceramente, muito mais me chamou atenção a paixão dessa mulher... Pilar. Del Rio.
.
Olha o que ela nos diz ao final da matéria: “com estas linhas apenas pretendi dar a notícia de que vamos ter um novo livro de Saramago para incorporar na nossa vida de leitores. Não vos decepcionará, pelo contrário, ireis lê-lo, estou certa, com a mesma emoção com que foi escrito e sobrevooa cada linha, cada palavra. Não é um livro mais, é o livro que estávamos esperando e que chegou a bom porto, o leitor. Salomão, o elefante, não teve tanta sorte, mas disso não falarei, aguardemos o Outono, e então sim: aí, em vários idiomas simultaneamente, poderemos comentar páginas, aventuras, desenlaces. Os materiais da ficção, que são também os da vida”.

Há amor aí. Não há dúvida.
Senti em mim o amor dessa mulher e a curiosidade não me deixou ir embora. Precisava saber quem era ela. Conhecer sua história. E descobri. Um pequeníssimo fragmento de sua vida. De seu amor. Solto. Errante. Encantado nesse imenso oceano digital, na página de um Centro de Estudos de Lisboa, que reproduzo na íntegra para o deleite de todos nós:

Como descobre Saramago...
Por acaso, claro. Ela que se lembra de ‘estar a par de todas as novidades literárias’ nunca tinha ouvido falar de José Saramago até uma certa tarde de 1986, em que foi com umas amigas a uma livraria: ‘Vi um livro chamado O Memorial do Convento, e achei curioso o título. Li uma página, li o arranque, comprei, fui para casa e devorei-o’.

Regressou à livraria de Sevilha e comprou todos os Saramagos traduzidos: ‘Quando acabei de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis foi uma comoção muito forte e decidi fazer o que não tinha feito nunca, senti a necessidade de seguir aquele itinerário lisboeta, senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado com a obra. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi-o então, vim com o meu livro e com O Livro do Desassossego do Pessoa’. Aterrou na portela com o número de telefone de Saramago no bolso.

...os dois se encontram...

Estamos portanto em 1986, numa altura em que o romancista Saramago ainda está suficientemente disponível para ser ele a ir ter com a jornalista espanhola que lhe telefonou, entusiasmada. Aí vai ele a caminho do hotel Mundial, imprevidente, sem saber o que pode resultar de ‘tomar um café’. Com Pilar: ‘Eu estava no quarto, desci, saí do elevador e vi um senhor alto... não sei porquê tinha imaginado um homem baixo... apertámos as mãos, apanhámos um taxi, fomos ao cemitério dos Prazeres, ao túmulo de Pessoa, lemos um fragmento de Pessoa, voltámos ao hotel num táxi e despedimo-nos à porta, com um aperto de mãos’.

Não foi apenas isto, foi também o encontro entre dos marxistas convictos: ‘Falámos de política, do que se passava na Europa, e demo-nos conta de que estávamos no mesmo sítio, que os dois éramos marxistas, os dois éramos comunistas e aos dois nos interessava literatura’. Pilar Del Rio lembra-se de ter regressado a casa ‘com uma estranha paz’.

...se casam...

Na manhã seguinte Saramago telefonou-lhe para o hotel, a pedir-lhe a morada. ‘Eu regressei a Sevilha, ele enviou-me alguns livros... clássicos portugueses, enviei-lhe algumas críticas... eu não sabia nada da sua vida, nem ele da minha, porque não tínhamos falado das nossas vidinhas... e então, um dia, ele escreveu-me uma carta a dizer que, se as circunstâncias da minha vida o permitissem, iria visitar-me. E as circunstâncias da minha vida permitiam-no’.

Um ano depois estavam juntos, no ano seguinte casaram, em Lisboa. ‘Não tive dúvida nenhuma em vir viver para Lisboa. Não tive nenhum problema de adaptação, quando vim para cá, vim para minha casa’”.

(In Público, O folhetim de Pilar del Rio, 17 de Outubro de 1998.)

A Jornada dos Elefantes


Foi com imensa alegria que recebi a notícia de que o novo livro de José Saramago está terminado. Acabado. Finalizado. Pronto.
Foi no O Globo.
Foi outro dia.
Não falei nada antes porque achei que não tinha nada a ver.
Agora acho que tem.

O romance – que segundo Saramago não é romance, mas um conto – se chama “A Viagem do Elefante” e, como bem conta a jornalista Pilar del Rio, no blog da Fundação José Saramago, “descreve a viagem, ao mesmo tempo épica, prosaica e jovial, de um elefante asiático chamado Salomão, que, no século XVI, por alguns caprichos reais e absurdos desígnios teve de percorrer mais de metade da Europa”.

Diz Pilar que “A Viagem do Elefante é um livro coral onde as personagens entram, saem e se renovam de acordo com as peculiares exigências narrativas que o autor se impôs e lhes impôs. O elefante e o seu cornaca têm nome, como outras personagens que figuram nos manuais de história, embora apareçam também pessoas anónimas, gente com quem os membros da caravana se vão cruzando e com quem partilham perplexidades, esforços, ou a harmoniosa alegria de um tecto depois de tantas noites dormidas à intempérie”.

Pilar ainda adianta que “A Viagem do Elefante está pontuado de acordo com as regras de Saramago, os diálogos intercalam-se na narração, um todo que o leitor tem de organizar de acordo com a sua própria respiração. O leitor, esse ser fundamental que Saramago considera e respeita e a quem continuamente interpela, seja adiantando-lhe consequências de certos actos ou recordando-lhe outros, implicando-o no texto, porque escrever, como ler, não são acções inocentes, são tentativas para forçar a inteligência a ir um pouco mais longe, mais além de Viena, de Valladolid ou de Lisboa, mais além do que éramos ao acordar de manhã e encontrar-nos com mais um dia pela frente”.

Pois é, meus queridos... De fato, não sei o que nos reserva este livro-conto – no mínimo uma intensa viagem, em se tratando de uma obra de Saramago –, mas, sinceramente, muito mais me chamou atenção a paixão dessa mulher... Pilar. Del Rio.
.
Olha o que ela nos diz ao final da matéria: “com estas linhas apenas pretendi dar a notícia de que vamos ter um novo livro de Saramago para incorporar na nossa vida de leitores. Não vos decepcionará, pelo contrário, ireis lê-lo, estou certa, com a mesma emoção com que foi escrito e sobrevooa cada linha, cada palavra. Não é um livro mais, é o livro que estávamos esperando e que chegou a bom porto, o leitor. Salomão, o elefante, não teve tanta sorte, mas disso não falarei, aguardemos o Outono, e então sim: aí, em vários idiomas simultaneamente, poderemos comentar páginas, aventuras, desenlaces. Os materiais da ficção, que são também os da vida”.

Há amor aí. Não há dúvida.
Senti em mim o amor dessa mulher e a curiosidade não me deixou ir embora. Precisava saber quem era ela. Conhecer sua história. E descobri. Um pequeníssimo fragmento de sua vida. De seu amor. Solto. Errante. Encantado nesse imenso oceano digital, na página de um Centro de Estudos de Lisboa, que reproduzo na íntegra para o deleite de todos nós:

Como descobre Saramago...
Por acaso, claro. Ela que se lembra de ‘estar a par de todas as novidades literárias’ nunca tinha ouvido falar de José Saramago até uma certa tarde de 1986, em que foi com umas amigas a uma livraria: ‘Vi um livro chamado O Memorial do Convento, e achei curioso o título. Li uma página, li o arranque, comprei, fui para casa e devorei-o’.

Regressou à livraria de Sevilha e comprou todos os Saramagos traduzidos: ‘Quando acabei de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis foi uma comoção muito forte e decidi fazer o que não tinha feito nunca, senti a necessidade de seguir aquele itinerário lisboeta, senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado com a obra. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi-o então, vim com o meu livro e com O Livro do Desassossego do Pessoa’. Aterrou na portela com o número de telefone de Saramago no bolso.

...os dois se encontram...

Estamos portanto em 1986, numa altura em que o romancista Saramago ainda está suficientemente disponível para ser ele a ir ter com a jornalista espanhola que lhe telefonou, entusiasmada. Aí vai ele a caminho do hotel Mundial, imprevidente, sem saber o que pode resultar de ‘tomar um café’. Com Pilar: ‘Eu estava no quarto, desci, saí do elevador e vi um senhor alto... não sei porquê tinha imaginado um homem baixo... apertámos as mãos, apanhámos um taxi, fomos ao cemitério dos Prazeres, ao túmulo de Pessoa, lemos um fragmento de Pessoa, voltámos ao hotel num táxi e despedimo-nos à porta, com um aperto de mãos’.

Não foi apenas isto, foi também o encontro entre dos marxistas convictos: ‘Falámos de política, do que se passava na Europa, e demo-nos conta de que estávamos no mesmo sítio, que os dois éramos marxistas, os dois éramos comunistas e aos dois nos interessava literatura’. Pilar Del Rio lembra-se de ter regressado a casa ‘com uma estranha paz’.

...se casam...

Na manhã seguinte Saramago telefonou-lhe para o hotel, a pedir-lhe a morada. ‘Eu regressei a Sevilha, ele enviou-me alguns livros... clássicos portugueses, enviei-lhe algumas críticas... eu não sabia nada da sua vida, nem ele da minha, porque não tínhamos falado das nossas vidinhas... e então, um dia, ele escreveu-me uma carta a dizer que, se as circunstâncias da minha vida o permitissem, iria visitar-me. E as circunstâncias da minha vida permitiam-no’.

Um ano depois estavam juntos, no ano seguinte casaram, em Lisboa. ‘Não tive dúvida nenhuma em vir viver para Lisboa. Não tive nenhum problema de adaptação, quando vim para cá, vim para minha casa’”.

(In Público, O folhetim de Pilar del Rio, 17 de Outubro de 1998.)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Absolvição


Ele era inocente.
O processo foi longo.
A defesa aguerrida.
O incrédulo se convenceu.
Só faltava o juiz.
Já não falta mais.
Ele foi absolvido.
Está livre.
E hoje dormirá como há muito não fazia.
E eu também.

Absolvição


Ele era inocente.
O processo foi longo.
A defesa aguerrida.
O incrédulo se convenceu.
Só faltava o juiz.
Já não falta mais.
Ele foi absolvido.
Está livre.
E hoje dormirá como há muito não fazia.
E eu também.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Perversão

Depois da "Mulher-melancia", da "Mulher-melão", da "Mulher-banana", chegou a hora e a vez dela, a "MULHER-GPS"!!!

O Globo de hoje anuncia: "Poduto para agradar maridos ciumentos", "Lingerie com GPS é destaque de feira para mulheres em São Paulo".

[Inacreditável...]

Segundo a matéria, "os maridos ciumentos vão adorar o lançamento da LindeLucy, marca mineira de lingeries, que acaba de lançar uma linha de calcinhas e sutiãs com GPS. (...) As calcinhas e sutiãs possuem um localizador que permite que os parceiros encontrem suas amadas com base nas coordenadas de latitude, longitude e altitude devidamente rastreadas por satélite. Como se isso não bastasse, os homens mais afoitos têm a opção de acompanhar todos os passos da namorada através de mapinhas na internet".

[Atenção, atenção: produto destinado a maridos tarados por tecnologia e "mapinhas" de todo gênero. Pela mulher? Não, não, claro que não...]

"O preço das lingeries é bastante salgado, cada conjunto custa, em média, R$ 2 mil. Modelos mais elaborados chegam a custar R$ 4 mil. Também é preciso pagar uma taxa. Segundo os fabricantes, o GPS pode ser acoplado a três lugares diferentes para não atrapalhar os movimentos ou o visual".

[Sensacional! O GPS é confortável, discreto, não solta as tiras, não tem cheiro, e não atrapalha os movimentos ou o visual! Incrível isso! Que presentaço! A mulher não ganhará a lingerie para usar com o maridão - afinal, qual seria a graça da engenhoca se estivessem juntos?! -, mas sim para usar sozinha por aí, livre, leve e solta... desde que ele possa olhar de longe, lógico.]

Freud explica.
Ah explica...

Perversão

Depois da "Mulher-melancia", da "Mulher-melão", da "Mulher-banana", chegou a hora e a vez dela, a "MULHER-GPS"!!!

O Globo de hoje anuncia: "Poduto para agradar maridos ciumentos", "Lingerie com GPS é destaque de feira para mulheres em São Paulo".

[Inacreditável...]

Segundo a matéria, "os maridos ciumentos vão adorar o lançamento da LindeLucy, marca mineira de lingeries, que acaba de lançar uma linha de calcinhas e sutiãs com GPS. (...) As calcinhas e sutiãs possuem um localizador que permite que os parceiros encontrem suas amadas com base nas coordenadas de latitude, longitude e altitude devidamente rastreadas por satélite. Como se isso não bastasse, os homens mais afoitos têm a opção de acompanhar todos os passos da namorada através de mapinhas na internet".

[Atenção, atenção: produto destinado a maridos tarados por tecnologia e "mapinhas" de todo gênero. Pela mulher? Não, não, claro que não...]

"O preço das lingeries é bastante salgado, cada conjunto custa, em média, R$ 2 mil. Modelos mais elaborados chegam a custar R$ 4 mil. Também é preciso pagar uma taxa. Segundo os fabricantes, o GPS pode ser acoplado a três lugares diferentes para não atrapalhar os movimentos ou o visual".

[Sensacional! O GPS é confortável, discreto, não solta as tiras, não tem cheiro, e não atrapalha os movimentos ou o visual! Incrível isso! Que presentaço! A mulher não ganhará a lingerie para usar com o maridão - afinal, qual seria a graça da engenhoca se estivessem juntos?! -, mas sim para usar sozinha por aí, livre, leve e solta... desde que ele possa olhar de longe, lógico.]

Freud explica.
Ah explica...

Conduta

Sentada na Tribuna, a acusada apertava as mãos. Os olhos voltados para o chão rapidamente vieram para mim ao ser anunciado o início da audiência. Sorri para ela enquanto a testemunha-chave para a acusação acomodava-se diante do juiz.
De todos os fatos distorcidos lembrava-se bem.
Da verdade, não, afinal, havia muito tempo decorrido desde aquele massacre.
Dez anos.
Fazia dez anos que uma inocente apertava as mãos enquanto aguardava o julgamento dos homens.
Não o julgamento pelo massacre, porque este foi cometido contra ela, mas pelos fatos ali apurados.
Ao ser dada a palavra a defesa, perguntei à testemunha se naquela empresa as determinações da gerência eram cumpridas à risca por todos os funcionários; ao que foi respondido que sim, sem dúvida. Todos eram rigorosos cumpridores da lei.
Perguntei à testemunha se, ao tempo dos fatos, era ela titular de uma determinada autorização especial, que conferia aos seus responsáveis a possibilidade de realizar tarefas específicas e restritas; ao que respondeu que não, sem dúvida.
Perguntei se irregularidade como aquela, imputada à minha defendente, já havia acontecido no passado; ao que respondeu, já sem tanta certeza, dizendo que em tantos anos de empresa uma coisa aqui, outra ali, sempre acontece...
Perguntei então se, no passado, já foi a testemunha titular de uma autorização especial daquelas.
Silêncio.
Sim, respondeu a testemunha.
E alguma irregularidade como essa, atribuída à minha defendente, já foi praticada com o uso indevido por outro funcionário dessa autorização especial que era só sua?
Raiva.
Sim, respondeu a testemunha.
Então nos diga qual era a posição deste funcionário, que usava indevidamente a sua senha, na hierarquia da empresa.
E a testemunha olhou para mim pela primeira vez e respondeu: estagiário.
Sem mais perguntas, Excelência.

Ao final da audiência, o representante do Ministério Público não se conteve e perguntou ironicamente:
- Depois deste depoimento, me diga doutora, as testemunhas de defesa têm conhecimento dos fatos ou são testemunhas de mera "conduta"?
E eu lhe disse:
- Todas as testemunhas da defesa conhecem a história e, mais do que conduta, são testemunhas de moral.

Conduta

Sentada na Tribuna, a acusada apertava as mãos. Os olhos voltados para o chão rapidamente vieram para mim ao ser anunciado o início da audiência. Sorri para ela enquanto a testemunha-chave para a acusação acomodava-se diante do juiz.
De todos os fatos distorcidos lembrava-se bem.
Da verdade, não, afinal, havia muito tempo decorrido desde aquele massacre.
Dez anos.
Fazia dez anos que uma inocente apertava as mãos enquanto aguardava o julgamento dos homens.
Não o julgamento pelo massacre, porque este foi cometido contra ela, mas pelos fatos ali apurados.
Ao ser dada a palavra a defesa, perguntei à testemunha se naquela empresa as determinações da gerência eram cumpridas à risca por todos os funcionários; ao que foi respondido que sim, sem dúvida. Todos eram rigorosos cumpridores da lei.
Perguntei à testemunha se, ao tempo dos fatos, era ela titular de uma determinada autorização especial, que conferia aos seus responsáveis a possibilidade de realizar tarefas específicas e restritas; ao que respondeu que não, sem dúvida.
Perguntei se irregularidade como aquela, imputada à minha defendente, já havia acontecido no passado; ao que respondeu, já sem tanta certeza, dizendo que em tantos anos de empresa uma coisa aqui, outra ali, sempre acontece...
Perguntei então se, no passado, já foi a testemunha titular de uma autorização especial daquelas.
Silêncio.
Sim, respondeu a testemunha.
E alguma irregularidade como essa, atribuída à minha defendente, já foi praticada com o uso indevido por outro funcionário dessa autorização especial que era só sua?
Raiva.
Sim, respondeu a testemunha.
Então nos diga qual era a posição deste funcionário, que usava indevidamente a sua senha, na hierarquia da empresa.
E a testemunha olhou para mim pela primeira vez e respondeu: estagiário.
Sem mais perguntas, Excelência.

Ao final da audiência, o representante do Ministério Público não se conteve e perguntou ironicamente:
- Depois deste depoimento, me diga doutora, as testemunhas de defesa têm conhecimento dos fatos ou são testemunhas de mera "conduta"?
E eu lhe disse:
- Todas as testemunhas da defesa conhecem a história e, mais do que conduta, são testemunhas de moral.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Travessia

"Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar…
Sim, devagar…
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar…
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima…
Talvez isto tudo…
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar…
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo…
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?"
(Fernando Pessoa)

Boa noite, meu querido!
A viagem foi longa, a travessia necessária, o silêncio inevitável... mas estou de volta.
Estou de volta.

Travessia

"Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar…
Sim, devagar…
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar…
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima…
Talvez isto tudo…
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar…
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo…
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?"
(Fernando Pessoa)

Boa noite, meu querido!
A viagem foi longa, a travessia necessária, o silêncio inevitável... mas estou de volta.
Estou de volta.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Cidade da Luz


E cá estou eu novamente de mala pronta, agora prestes a embarcar para Curitiba... A trabalho sim, na correria sim, de última hora sim, mas dentro do prazo, mesmo fora da rota, com o pé na estrada, a mão na massa, o coração na boca e por aí vai...

Até a volta, meus queridos, até a volta!

Mandarei notícias....

Cidade da Luz


E cá estou eu novamente de mala pronta, agora prestes a embarcar para Curitiba... A trabalho sim, na correria sim, de última hora sim, mas dentro do prazo, mesmo fora da rota, com o pé na estrada, a mão na massa, o coração na boca e por aí vai...

Até a volta, meus queridos, até a volta!

Mandarei notícias....

O ensaio de Lenine

Para alguns este ainda não é o show. Para outros o ensaio é um espetáculo...
A primeira estrofe não se ouve, o som falha, mas quem se importa? Lenine canta. Todos sabem a letra...
Ele sente sua música, se entrega, se permite errar, arriscar um novo tom, e então dança. Não quer mostrar nada a ninguém. Não neste instante. Ele só quer o que é seu. Este movimento, esta tentativa, este momento. Único. Lindo. Magistral. Epifânico.
Ele fala de adeus e mal acabou de chegar...

"Se pode olhar, veja", como já diria o mestre Saramago...



Sonhei
(Lenine)
Sonhei e fui, sinais de sim,
Amor sem fim, céu de capim,
E eu olhando a vida olhar pra mim.

Sonhei e fui, mar de cristal,
Sol, água e sal, meu ancestral,
E eu tão singular me vi plural.

Sonhei e fui, num sonho à toa,
Uma leoa, água de Goa,
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa

Sonhei pra mim, tanta paixão,
De grão em grão, verso e canção,
eu tentando nunca ouvir em vão.

Sonhei, senti, sol na lagoa,
Céu de Lisboa, nuvem que voa,
E um país maior que uma pessoa.

Sonhei e vim, mares de Espanha,
Terras estranhas, lendas tamanhas,
E eu subi sorrindo esta montanha.
E eu subi sorrindo esta montanha.

Sonhei, enfim, e vejo agora,
Beijo de Aurora, ventos lá fora,
E eu cantando a Deus e indo embora.
E eu cantando a Deus e indo embora.

O ensaio de Lenine

Para alguns este ainda não é o show. Para outros o ensaio é um espetáculo...
A primeira estrofe não se ouve, o som falha, mas quem se importa? Lenine canta. Todos sabem a letra...
Ele sente sua música, se entrega, se permite errar, arriscar um novo tom, e então dança. Não quer mostrar nada a ninguém. Não neste instante. Ele só quer o que é seu. Este movimento, esta tentativa, este momento. Único. Lindo. Magistral. Epifânico.
Ele fala de adeus e mal acabou de chegar...

"Se pode olhar, veja", como já diria o mestre Saramago...



Sonhei
(Lenine)
Sonhei e fui, sinais de sim,
Amor sem fim, céu de capim,
E eu olhando a vida olhar pra mim.

Sonhei e fui, mar de cristal,
Sol, água e sal, meu ancestral,
E eu tão singular me vi plural.

Sonhei e fui, num sonho à toa,
Uma leoa, água de Goa,
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa

Sonhei pra mim, tanta paixão,
De grão em grão, verso e canção,
eu tentando nunca ouvir em vão.

Sonhei, senti, sol na lagoa,
Céu de Lisboa, nuvem que voa,
E um país maior que uma pessoa.

Sonhei e vim, mares de Espanha,
Terras estranhas, lendas tamanhas,
E eu subi sorrindo esta montanha.
E eu subi sorrindo esta montanha.

Sonhei, enfim, e vejo agora,
Beijo de Aurora, ventos lá fora,
E eu cantando a Deus e indo embora.
E eu cantando a Deus e indo embora.

domingo, 5 de outubro de 2008

O saber


“Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e - por ser um campo virgem - está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade”.
.
(Clarice Lispector in A mulher que Matou os Peixes, Rio de Janeiro: Rocco, 1968, p.10)

O saber


“Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e - por ser um campo virgem - está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade”.
.
(Clarice Lispector in A mulher que Matou os Peixes, Rio de Janeiro: Rocco, 1968, p.10)

sábado, 4 de outubro de 2008

E a noite clareava a noite...

"Experimento duas noites uma de cada vez, uma boa, outra má. Para dizê-lo me sirvo de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode ser produzido sem que haja erro, porque estou privado da luz das causas e das finalidades; estar em tinieblas (estar nas trevas) me acontece quando a ligação às coisas e a desordem que daí provém me deixam cego.

Mais frequentemente, estou na obscuridade total do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é um mal, tudo repercute, vivo golpe atrás de golpe; estoy en tinieblas. Mas também, às vezes, a Noite é outra: sozinho, em postura de meditação (será talvez um papel que me atribuo?), penso calmamente no outro, como ele é: suspendo toda interpretação; entro na noite do sem-sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas nada quero possuir; é a noite do sem-proveito, do gasto sutil, invisível: estoy a escuras: eu estou lá, sentado simples e calmamente no negro interior do amor".

(Roland Barthes in Fragmentos de um Discurso Amoroso, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 152)

E a noite clareava a noite...

"Experimento duas noites uma de cada vez, uma boa, outra má. Para dizê-lo me sirvo de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode ser produzido sem que haja erro, porque estou privado da luz das causas e das finalidades; estar em tinieblas (estar nas trevas) me acontece quando a ligação às coisas e a desordem que daí provém me deixam cego.

Mais frequentemente, estou na obscuridade total do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é um mal, tudo repercute, vivo golpe atrás de golpe; estoy en tinieblas. Mas também, às vezes, a Noite é outra: sozinho, em postura de meditação (será talvez um papel que me atribuo?), penso calmamente no outro, como ele é: suspendo toda interpretação; entro na noite do sem-sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas nada quero possuir; é a noite do sem-proveito, do gasto sutil, invisível: estoy a escuras: eu estou lá, sentado simples e calmamente no negro interior do amor".

(Roland Barthes in Fragmentos de um Discurso Amoroso, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 152)