quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Traços

(Maria Gabriela Llansol, 1931-2008, Portugal)
.
"A vida é uma cadeia sem datas. Só lhe interessa a energia que lhe dá.
- E quando os datas?
- É a significação que lhes retiro. Deixo-a fluir, e retiro-lhe a significação.
- Mas, em vez de datas, prefiro o traço.
- Ou seja, se pudesses só fazia traços?
- E então nada dizia? Não. Há um momento em que a significação dispara - a vida não vai para lado nenhum, mas eu quero ir.
- Então fazes um traço.
- Sim. Os textos são as marcas indeléveis e perceptíveis de que falaste sobre o amor".
.
(Maria Gabriela Llansol in "Ardente texto Joshua", Lisboa: Relógio d'Água, 1998, p. 96-97)

Traços

(Maria Gabriela Llansol, 1931-2008, Portugal)
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"A vida é uma cadeia sem datas. Só lhe interessa a energia que lhe dá.
- E quando os datas?
- É a significação que lhes retiro. Deixo-a fluir, e retiro-lhe a significação.
- Mas, em vez de datas, prefiro o traço.
- Ou seja, se pudesses só fazia traços?
- E então nada dizia? Não. Há um momento em que a significação dispara - a vida não vai para lado nenhum, mas eu quero ir.
- Então fazes um traço.
- Sim. Os textos são as marcas indeléveis e perceptíveis de que falaste sobre o amor".
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(Maria Gabriela Llansol in "Ardente texto Joshua", Lisboa: Relógio d'Água, 1998, p. 96-97)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Partir do Fundamento

(Intervenção artística de Nelson Felix, "4 Cantos", Portugal, 2008)

Não conhecia. Nunca tinha ouvido falar, mas na semana passada tive a sorte de descobrir o magnífico trabalho do poeta-escultor Nelson Felix que, em sua obra, fala do espaço da construção - não do físico, mas o mental -, fala da passagem do tempo, fala da impossibilidade de conhecermos o todo da obra, a sua completude.
.
A idéia inicial do projeto "4 Cantos" - que muito me encantou -, resultante de uma série de associações e significações do artista, era retirar quatro blocos de pedras calcárias da pedreira de Fátima e levá-los aos quatro pontos extremos de Portugal: Bragança, Viana do Castelo, Sagres e Faro.
.
Ao partir com as rochas para a viagem, Nelson Felix tinha em mente apenas parte do trabalho que pretendia realizar. Chegando ao lugar escolhido - que geralmente era diferente do planejado -, abandonava as pedras de forma aleatória no espaço, deixando que a natureza atuasse sobre a sua intervenção, quando, então, voltava ele a atuar sobre as rochas, sulcando a superfície porosa, dando origem a desenhos.
.
Segundo ele, com essa nova intervenção, retirava aos poucos, uma a uma, todas as significações construídas até ali. Estes novos símbolos representariam a retirada dos excessos, a minimalização dos pensamentos do artista sobre a obra, que, por sua vez, é registrada em uma única fotografia - que não revela a obra-toda, mas a obra-parte -, antes de ser finalmente deixada "pelo caminho", na natureza.
.
E é dessa tensão, dessa forçagem, dessa incompletude que nasce a obra de Nelson Felix.
.
(Ponteiras com inscrições de versos de Sophia de Mello Breyner usadas na obra)
.
Ao final, no quarto canto do projeto - o centro histórico de Faro - o artista tombou os blocos pela última vez e os travou com ponteiras fundidas em bronze, com a inscrição dos versos do poema "A Casa Térrea", de Sophia de Mello Breyner, que fala aos poetas, aos artistas, mas fala também a todos que desejam ouvir. E caminhar. Ela fala de esperança, e nos lembra que somente através da desconstrução, da descompletude, poderemos, enfim, contruir a nossa casa "a partir do fundamento".
.
"Que a arte não se torne para ti compensação daquilo que
Não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre
Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre a montanha e o mar
Construirás – como se diz – a casa térrea –
Construirás a partir do fundamento".
.
(Sophia de Mello Breyner ,“A Casa Térrea” in “O Nome das Coisas”, Lisboa, 1977)

Nelson Felix apresentou o seu trabalho no Rio de Janeiro, na H.A.P. Galeria, de 01 de novembro a 06 de dezembro de 2008, e participou de um colóquio sobre arte e psicanálise no dia 16.set.09, em Ipanema. Vale aguardar o seu retorno.

A Partir do Fundamento

(Intervenção artística de Nelson Felix, "4 Cantos", Portugal, 2008)

Não conhecia. Nunca tinha ouvido falar, mas na semana passada tive a sorte de descobrir o magnífico trabalho do poeta-escultor Nelson Felix que, em sua obra, fala do espaço da construção - não do físico, mas o mental -, fala da passagem do tempo, fala da impossibilidade de conhecermos o todo da obra, a sua completude.
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A idéia inicial do projeto "4 Cantos" - que muito me encantou -, resultante de uma série de associações e significações do artista, era retirar quatro blocos de pedras calcárias da pedreira de Fátima e levá-los aos quatro pontos extremos de Portugal: Bragança, Viana do Castelo, Sagres e Faro.
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Ao partir com as rochas para a viagem, Nelson Felix tinha em mente apenas parte do trabalho que pretendia realizar. Chegando ao lugar escolhido - que geralmente era diferente do planejado -, abandonava as pedras de forma aleatória no espaço, deixando que a natureza atuasse sobre a sua intervenção, quando, então, voltava ele a atuar sobre as rochas, sulcando a superfície porosa, dando origem a desenhos.
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Segundo ele, com essa nova intervenção, retirava aos poucos, uma a uma, todas as significações construídas até ali. Estes novos símbolos representariam a retirada dos excessos, a minimalização dos pensamentos do artista sobre a obra, que, por sua vez, é registrada em uma única fotografia - que não revela a obra-toda, mas a obra-parte -, antes de ser finalmente deixada "pelo caminho", na natureza.
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E é dessa tensão, dessa forçagem, dessa incompletude que nasce a obra de Nelson Felix.
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(Ponteiras com inscrições de versos de Sophia de Mello Breyner usadas na obra)
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Ao final, no quarto canto do projeto - o centro histórico de Faro - o artista tombou os blocos pela última vez e os travou com ponteiras fundidas em bronze, com a inscrição dos versos do poema "A Casa Térrea", de Sophia de Mello Breyner, que fala aos poetas, aos artistas, mas fala também a todos que desejam ouvir. E caminhar. Ela fala de esperança, e nos lembra que somente através da desconstrução, da descompletude, poderemos, enfim, contruir a nossa casa "a partir do fundamento".
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"Que a arte não se torne para ti compensação daquilo que
Não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre
Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre a montanha e o mar
Construirás – como se diz – a casa térrea –
Construirás a partir do fundamento".
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(Sophia de Mello Breyner ,“A Casa Térrea” in “O Nome das Coisas”, Lisboa, 1977)

Nelson Felix apresentou o seu trabalho no Rio de Janeiro, na H.A.P. Galeria, de 01 de novembro a 06 de dezembro de 2008, e participou de um colóquio sobre arte e psicanálise no dia 16.set.09, em Ipanema. Vale aguardar o seu retorno.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Demanda x Desejo

(Ilustração de BladeBV publicada no Photobucket)
.
"1. Como o cliente explica o que quer
2. Como o líder do projeto entendeu
3. Como o analista projetou
4. Como o programador escreveu
5. Como o consultor de negócios descreveu
6. Como o projeto foi documentado
7. Como as operações foram feitas
8. Como o cliente foi cobrado
9. Como foi suportado
10. O que o cliente realmente precisava".

Pensando no desejo me deparei com esta imagem há dez dias.
Ela me iluminou.
Tive vontade de falar tantas coisas sobre ela que, talvez por isso, não tenha conseguido publicá-la até agora.
- Vá então, imagem inspiradora! Vá e faça a sua parte!
As minhas palavras não são necessárias.
Você fala por si!

Demanda x Desejo

(Ilustração de BladeBV publicada no Photobucket)
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"1. Como o cliente explica o que quer
2. Como o líder do projeto entendeu
3. Como o analista projetou
4. Como o programador escreveu
5. Como o consultor de negócios descreveu
6. Como o projeto foi documentado
7. Como as operações foram feitas
8. Como o cliente foi cobrado
9. Como foi suportado
10. O que o cliente realmente precisava".

Pensando no desejo me deparei com esta imagem há dez dias.
Ela me iluminou.
Tive vontade de falar tantas coisas sobre ela que, talvez por isso, não tenha conseguido publicá-la até agora.
- Vá então, imagem inspiradora! Vá e faça a sua parte!
As minhas palavras não são necessárias.
Você fala por si!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sol-lhe-dão

(Fotografia “Arco do Teles” por José Antônio, Rio de Janeiro, 2009)
.
A minha querida amiga Marla de Queiroz nos presenteou hoje, em seu blog, com uma bela descrição da fisionomia da saudade. Ela desenha a lembrança do desejo, contorna aquilo que vai além, "ao desalcance dos olhos", preenche essa existência "ampliada pelo sol do amor" e pinta com uma "ternura escandalosa" o toque, o olhar, o cheiro, a voz daquele estrangeiro tão familiar cujo corpo insinua "mais que uma leitura, mais que uma dança, mais que comunhão". Mais e mais. Sempre mais.
.
Ela rabisca invenções, esboça outras que ainda serão inventadas para "namoramar em dialeto inexistente", borra com os "sussuruídos de Guimarães" tantos delírios poéticos daquela saudade familiar do que ainda virá, e nos convida, ao final, a uma experiência encantadora:
.
"Amores, dia 11/set, sexta-feira é dia da campanha DOE UM LIVRO. Já fizemos isto aqui uma vez e foi lindo! Funciona assim: escolha um livro que tenha lido e gostado, escreva uma dedicatória para um desconhecido (para que ele saiba que não foi perdido, que foi dado de presente) e abandone pela cidade, em algum lugar protegido em caso de chuva: ônibus, bar, cinema, enfim....Já separei o meu".

Lembrei do sol e estendo o meu convite a vocês.
Afinal, dar e receber não tem mistério.
A graça está em compartilhar. Acho.

Sol-lhe-dão

(Fotografia “Arco do Teles” por José Antônio, Rio de Janeiro, 2009)
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A minha querida amiga Marla de Queiroz nos presenteou hoje, em seu blog, com uma bela descrição da fisionomia da saudade. Ela desenha a lembrança do desejo, contorna aquilo que vai além, "ao desalcance dos olhos", preenche essa existência "ampliada pelo sol do amor" e pinta com uma "ternura escandalosa" o toque, o olhar, o cheiro, a voz daquele estrangeiro tão familiar cujo corpo insinua "mais que uma leitura, mais que uma dança, mais que comunhão". Mais e mais. Sempre mais.
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Ela rabisca invenções, esboça outras que ainda serão inventadas para "namoramar em dialeto inexistente", borra com os "sussuruídos de Guimarães" tantos delírios poéticos daquela saudade familiar do que ainda virá, e nos convida, ao final, a uma experiência encantadora:
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"Amores, dia 11/set, sexta-feira é dia da campanha DOE UM LIVRO. Já fizemos isto aqui uma vez e foi lindo! Funciona assim: escolha um livro que tenha lido e gostado, escreva uma dedicatória para um desconhecido (para que ele saiba que não foi perdido, que foi dado de presente) e abandone pela cidade, em algum lugar protegido em caso de chuva: ônibus, bar, cinema, enfim....Já separei o meu".

Lembrei do sol e estendo o meu convite a vocês.
Afinal, dar e receber não tem mistério.
A graça está em compartilhar. Acho.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Desejo

(Sabine Bonnaire em "O nome dela é Sabine", filme de Sandrine Bonnaire, 2007)
.
"Mundo, confranges-me por existir.
Tenho-te horror porque te sinto ser
E compreendo que te sinto ser
Até às fezes da compreensão.
Bebi a taça [...] do pensamento
Até ao fim; reconhecia pois
Vazia, e achei horror.
Mas eu bebi-a.
Raciocinei até achar verdade,
Achei-a e não a entendo.
Já se esvai
Neste desejo de compreensão,
Inalteravelmente,
Neste lidar com seres e absolutos,
O que em mim, por sentir, me liga à vida".
.
(Fernando Pessoa, "Primeiro Fausto - Primeiro Tema: Mistério do Mundo" in "Poemas Dramáticos", Lisboa, 1952)

Desejo

(Sabine Bonnaire em "O nome dela é Sabine", filme de Sandrine Bonnaire, 2007)
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"Mundo, confranges-me por existir.
Tenho-te horror porque te sinto ser
E compreendo que te sinto ser
Até às fezes da compreensão.
Bebi a taça [...] do pensamento
Até ao fim; reconhecia pois
Vazia, e achei horror.
Mas eu bebi-a.
Raciocinei até achar verdade,
Achei-a e não a entendo.
Já se esvai
Neste desejo de compreensão,
Inalteravelmente,
Neste lidar com seres e absolutos,
O que em mim, por sentir, me liga à vida".
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(Fernando Pessoa, "Primeiro Fausto - Primeiro Tema: Mistério do Mundo" in "Poemas Dramáticos", Lisboa, 1952)