terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Partir do Fundamento

(Intervenção artística de Nelson Felix, "4 Cantos", Portugal, 2008)

Não conhecia. Nunca tinha ouvido falar, mas na semana passada tive a sorte de descobrir o magnífico trabalho do poeta-escultor Nelson Felix que, em sua obra, fala do espaço da construção - não do físico, mas o mental -, fala da passagem do tempo, fala da impossibilidade de conhecermos o todo da obra, a sua completude.
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A idéia inicial do projeto "4 Cantos" - que muito me encantou -, resultante de uma série de associações e significações do artista, era retirar quatro blocos de pedras calcárias da pedreira de Fátima e levá-los aos quatro pontos extremos de Portugal: Bragança, Viana do Castelo, Sagres e Faro.
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Ao partir com as rochas para a viagem, Nelson Felix tinha em mente apenas parte do trabalho que pretendia realizar. Chegando ao lugar escolhido - que geralmente era diferente do planejado -, abandonava as pedras de forma aleatória no espaço, deixando que a natureza atuasse sobre a sua intervenção, quando, então, voltava ele a atuar sobre as rochas, sulcando a superfície porosa, dando origem a desenhos.
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Segundo ele, com essa nova intervenção, retirava aos poucos, uma a uma, todas as significações construídas até ali. Estes novos símbolos representariam a retirada dos excessos, a minimalização dos pensamentos do artista sobre a obra, que, por sua vez, é registrada em uma única fotografia - que não revela a obra-toda, mas a obra-parte -, antes de ser finalmente deixada "pelo caminho", na natureza.
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E é dessa tensão, dessa forçagem, dessa incompletude que nasce a obra de Nelson Felix.
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(Ponteiras com inscrições de versos de Sophia de Mello Breyner usadas na obra)
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Ao final, no quarto canto do projeto - o centro histórico de Faro - o artista tombou os blocos pela última vez e os travou com ponteiras fundidas em bronze, com a inscrição dos versos do poema "A Casa Térrea", de Sophia de Mello Breyner, que fala aos poetas, aos artistas, mas fala também a todos que desejam ouvir. E caminhar. Ela fala de esperança, e nos lembra que somente através da desconstrução, da descompletude, poderemos, enfim, contruir a nossa casa "a partir do fundamento".
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"Que a arte não se torne para ti compensação daquilo que
Não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre
Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre a montanha e o mar
Construirás – como se diz – a casa térrea –
Construirás a partir do fundamento".
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(Sophia de Mello Breyner ,“A Casa Térrea” in “O Nome das Coisas”, Lisboa, 1977)

Nelson Felix apresentou o seu trabalho no Rio de Janeiro, na H.A.P. Galeria, de 01 de novembro a 06 de dezembro de 2008, e participou de um colóquio sobre arte e psicanálise no dia 16.set.09, em Ipanema. Vale aguardar o seu retorno.

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