sexta-feira, 20 de março de 2009

Do Alabama

("O Mordomo Cantor" de Jack Vettriano, Portland Gallery)

O dia está lindo hoje, apesar das nuvens carregadas da chuva que está chegando, e só estou passando por aqui para deixar com vocês um pedacinho da música que tocou umas três vezes no meu carro hoje pela manhã - porque aqui dentro já estava tocando há mais tempo...
.
Uma ótima tarde a todos!
Aproveitem o seu dia.
.
Eu tava triste
Tristinho!
Mais sem graça
Que a top-model magrela
Na passarela
Eu tava só
Sozinho!
Mais solitário
Que um paulistano
Que um canastrão
Na hora que cai o pano
Tava mais bobo
Que banda de rock
Que um palhaço
Do circo Vostok...
Mas ontem
Eu recebi um Telegrama
Era você de Aracaju
Ou do Alabama
Dizendo:
Nêgo sinta-se feliz
Porque no mundo
Tem alguém que diz:
Que muito te ama!
Que tanto te ama!
Que muito muito te ama, que tanto te ama!...

Por isso hoje eu acordei
Com uma vontade danada
De mandar flores ao delegado
De bater na porta do vizinho
E desejar bom dia
De beijar o português
Da padaria...

(Trecho de "Telegrama", de Zeca Baleiro)

Do Alabama

("O Mordomo Cantor" de Jack Vettriano, Portland Gallery)

O dia está lindo hoje, apesar das nuvens carregadas da chuva que está chegando, e só estou passando por aqui para deixar com vocês um pedacinho da música que tocou umas três vezes no meu carro hoje pela manhã - porque aqui dentro já estava tocando há mais tempo...
.
Uma ótima tarde a todos!
Aproveitem o seu dia.
.
Eu tava triste
Tristinho!
Mais sem graça
Que a top-model magrela
Na passarela
Eu tava só
Sozinho!
Mais solitário
Que um paulistano
Que um canastrão
Na hora que cai o pano
Tava mais bobo
Que banda de rock
Que um palhaço
Do circo Vostok...
Mas ontem
Eu recebi um Telegrama
Era você de Aracaju
Ou do Alabama
Dizendo:
Nêgo sinta-se feliz
Porque no mundo
Tem alguém que diz:
Que muito te ama!
Que tanto te ama!
Que muito muito te ama, que tanto te ama!...

Por isso hoje eu acordei
Com uma vontade danada
De mandar flores ao delegado
De bater na porta do vizinho
E desejar bom dia
De beijar o português
Da padaria...

(Trecho de "Telegrama", de Zeca Baleiro)

terça-feira, 17 de março de 2009

Desencontros Inspiradores, parte III - A Morte

(Fernando Pessoa transformando amor em xadrez com a ajuda do ocultista britânico Aleister Crowley, Lisboa, 1930)

.
Nove anos depois...

09.out.1929

Terrivel Bebé:
.
Gosto de suas cartas, que são meiguinhas, e tambem gosto de si, que é meiginha tambem. E é bonbon, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguem gosta de mim, e tambem porque é que a havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao principio, e parece-me que ainda lhe telephono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na bocca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a bocca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu hombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha de um meliante de um cevado e (…) e eu gostava que a Bebé fôsse uma boneca minha, e eu fazia como uma crença, despia-a, e o papel acabava aqui mesmo, e isto parece impossivel de ser escripto por um ente humano, mas é escripto por mim.

Fernando
.
(Carta do poeta a Ophélia de Queiroz publicada no site oficial de Fernando Pessoa)

Pessoa e Ophélia reatam o namoro em 1929, mas, cada vez mais nervoso e obsecado pela sua obra, o poeta queixava-se sempre do medo que tinha de não conseguir fazer Ophélia feliz e não poder dar-lhe a vida que imaginava merecer.

Em 1931 o casal se separa pela última vez.

- Depois, talvez tenha vivido sempre um pouco com a esperança que ele voltasse. Porque é preciso ver que eu nunca senti que Ele tivesse deixado de gostar de mim. Antes pelo contrário. Eu, no fundo, sabia também que a sua vida já não lhe pertencia, estava entregue a outros Mestres, como Ele próprio o disse. E assim deixei correr o tempo sem nunca responder à sua última carta.

Em 1935 Fernando Pessoa é internado às pessas por complicações hepáticas, e no dia 30 de novembro vem a morrer no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa.

Ophélia recebeu a notícia da morte de Pessoa através de seu sobrinho, Carlos Queiroz, grande amigo do poeta.

- Levei a mão à cabeça, dei um grito. Chorei muito, por muito tempo. Não fui ao enterro, não quis aparecer, mas se tivesse sabido que ele estava no hospital doente, tenho a certeza absoluta de que o tinha ido visitar.

Com o tempo, Ophélia retomou a sua vida, casou-se três anos depois, teve filhos, mas em 1991, aos 91 anos de idade, morreu em casa afirmando que, apesar de sempre ter tido muita admiração e amizade por seu marido, Fernando Pessoa ainda era o grande amor de sua vida.

("Ophélia -O Mistério duma Pessoa", matéria publicada pelo Instituto Camões e reproduzida no site do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina)

Desencontros Inspiradores, parte III - A Morte

(Fernando Pessoa transformando amor em xadrez com a ajuda do ocultista britânico Aleister Crowley, Lisboa, 1930)

.
Nove anos depois...

09.out.1929

Terrivel Bebé:
.
Gosto de suas cartas, que são meiguinhas, e tambem gosto de si, que é meiginha tambem. E é bonbon, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguem gosta de mim, e tambem porque é que a havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao principio, e parece-me que ainda lhe telephono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na bocca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a bocca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu hombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha de um meliante de um cevado e (…) e eu gostava que a Bebé fôsse uma boneca minha, e eu fazia como uma crença, despia-a, e o papel acabava aqui mesmo, e isto parece impossivel de ser escripto por um ente humano, mas é escripto por mim.

Fernando
.
(Carta do poeta a Ophélia de Queiroz publicada no site oficial de Fernando Pessoa)

Pessoa e Ophélia reatam o namoro em 1929, mas, cada vez mais nervoso e obsecado pela sua obra, o poeta queixava-se sempre do medo que tinha de não conseguir fazer Ophélia feliz e não poder dar-lhe a vida que imaginava merecer.

Em 1931 o casal se separa pela última vez.

- Depois, talvez tenha vivido sempre um pouco com a esperança que ele voltasse. Porque é preciso ver que eu nunca senti que Ele tivesse deixado de gostar de mim. Antes pelo contrário. Eu, no fundo, sabia também que a sua vida já não lhe pertencia, estava entregue a outros Mestres, como Ele próprio o disse. E assim deixei correr o tempo sem nunca responder à sua última carta.

Em 1935 Fernando Pessoa é internado às pessas por complicações hepáticas, e no dia 30 de novembro vem a morrer no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa.

Ophélia recebeu a notícia da morte de Pessoa através de seu sobrinho, Carlos Queiroz, grande amigo do poeta.

- Levei a mão à cabeça, dei um grito. Chorei muito, por muito tempo. Não fui ao enterro, não quis aparecer, mas se tivesse sabido que ele estava no hospital doente, tenho a certeza absoluta de que o tinha ido visitar.

Com o tempo, Ophélia retomou a sua vida, casou-se três anos depois, teve filhos, mas em 1991, aos 91 anos de idade, morreu em casa afirmando que, apesar de sempre ter tido muita admiração e amizade por seu marido, Fernando Pessoa ainda era o grande amor de sua vida.

("Ophélia -O Mistério duma Pessoa", matéria publicada pelo Instituto Camões e reproduzida no site do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina)

terça-feira, 10 de março de 2009

Desencontros Inspiradores, parte II - O Medo

(Ophélia de Queiroz e Fernando Pessoa, 1920)

4h da madrugada, dia 19.fev.1920

Meu amorzinho, meu Bébé querido:

São cerca de 4 horas da madrugada e acabo, apezar de ter todo o corpo dolorido e a pedir repouso, de desistir definitivamente de dormir. Ha trez noites que isto me acontece, mas a noite de hoje, então, foi das mais horriveis que tenho passado em minha vida. Felizmente para ti, amorzinho, não podes imaginar. Não era só a angina, com a obrigação estupida de cuspir de dois em dois minutos, que me tirava o somno. É que, sem ter febre, eu tinha delirio, sentia-me endoidecer, tinha vontade de gritar, de gemer em voz alta, de mil cousas disparatadas. E tudo isto não só por influencia directa do mal estar que vem da doença, mas porque estive todo o dia de hontem arreliado com cousas, que se estão atrazando, relativas á vinda da minha família, e ainda por cima recebi, por intermedio de meu primo, que aqui veio ás 7 1/2, uma serie de noticias desagradaveis, que não vale a pena contar aqui, pois, felizmente, meu amor, te não dizem de modo algum respeito. Depois, estar doente exactamente numa occasião em que tenho tanta cousa urgente a fazer, tanta cousa que não posso delegar em outras pessoas.
.
Vês, meu Bébé adorado, qual o estado de espirito em que tenho vivido estes dias, estes dois ultimos dias sobretudo? E não imaginas as saudades doidas, as saudades constantes que de ti tenho tido. Cada vez a tua ausencia, ainda que seja só de um dia para o outro, me abate; quanto mais hão havia eu de sentir o não te ver, meu amor, ha quasi três dias!
.
Diz-me uma cousa, amorzinho: Porque é que te mostras tão abatida e tão profundamente triste na tua segunda carta - a que mandaste hontem pelo Osorio? Comprehendo que estivesses tambem com saudades; mas tu mostras-te de um nervosismo, de uma tristeza, de um abatimento tães, que me doeu immenso ler a tua cartinha e ver o que soffrias. O que te aconteceu, amôr, além de estarmos separados? Houve qualquer cousa peor que te acontecesse? Porque fallas num tom tão desesperado do meu amor, como que duvidando d’elle, quando não tens para isso razão nenhuma?

Estou inteiramente só - pode dizer-se; pois aqui a gente da casa, que realmente me tem tratado muito bem, é em todo o caso de cerimonia, e só me vem trazer caldo, leite ou qualquer remedio durante o dia; não me faz, nem era de esperar, companhia nenhuma. E então a esta hora da noite parece-me que estou num deserto; estou com sêde e não tenho quem me dê qualquer cousa a tomar; estou meio-doido com o isolamento em que me sinto e nem tenho quem ao menos vele um pouco aqui enquanto eu tentasse dormir.

Estou cheio de frio, vou estender-me na cama para fingir que repouso. Não sei quando te mandarei esta carta ou se acrescentarei ainda mais alguma cousa.

Ai, meu amor, meu Bébé, minha bonequinha, quem te tivesse aqui!
Muitos, muitos, muitos, muitos, muitos beijos do teu, sempre teu

Fernando

Nove meses, muitos medos, improváveis e impossíveis depois...

Dia 29.nov.1920

Ophelinha:

Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?

Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.

O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, naão havia gente feliz no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d’essa illusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.

Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?

Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.

Quanto a mim…

O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh’as attribuisse.

Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.

Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil

Que isto de “outras affeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.

Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.

Fernando

(Cartas de Fernando Pessoa a Ophélia de Queiroz publicadas no site oficial de Fernando Pessoa)

Desencontros Inspiradores, parte II - O Medo

(Ophélia de Queiroz e Fernando Pessoa, 1920)

4h da madrugada, dia 19.fev.1920

Meu amorzinho, meu Bébé querido:

São cerca de 4 horas da madrugada e acabo, apezar de ter todo o corpo dolorido e a pedir repouso, de desistir definitivamente de dormir. Ha trez noites que isto me acontece, mas a noite de hoje, então, foi das mais horriveis que tenho passado em minha vida. Felizmente para ti, amorzinho, não podes imaginar. Não era só a angina, com a obrigação estupida de cuspir de dois em dois minutos, que me tirava o somno. É que, sem ter febre, eu tinha delirio, sentia-me endoidecer, tinha vontade de gritar, de gemer em voz alta, de mil cousas disparatadas. E tudo isto não só por influencia directa do mal estar que vem da doença, mas porque estive todo o dia de hontem arreliado com cousas, que se estão atrazando, relativas á vinda da minha família, e ainda por cima recebi, por intermedio de meu primo, que aqui veio ás 7 1/2, uma serie de noticias desagradaveis, que não vale a pena contar aqui, pois, felizmente, meu amor, te não dizem de modo algum respeito. Depois, estar doente exactamente numa occasião em que tenho tanta cousa urgente a fazer, tanta cousa que não posso delegar em outras pessoas.
.
Vês, meu Bébé adorado, qual o estado de espirito em que tenho vivido estes dias, estes dois ultimos dias sobretudo? E não imaginas as saudades doidas, as saudades constantes que de ti tenho tido. Cada vez a tua ausencia, ainda que seja só de um dia para o outro, me abate; quanto mais hão havia eu de sentir o não te ver, meu amor, ha quasi três dias!
.
Diz-me uma cousa, amorzinho: Porque é que te mostras tão abatida e tão profundamente triste na tua segunda carta - a que mandaste hontem pelo Osorio? Comprehendo que estivesses tambem com saudades; mas tu mostras-te de um nervosismo, de uma tristeza, de um abatimento tães, que me doeu immenso ler a tua cartinha e ver o que soffrias. O que te aconteceu, amôr, além de estarmos separados? Houve qualquer cousa peor que te acontecesse? Porque fallas num tom tão desesperado do meu amor, como que duvidando d’elle, quando não tens para isso razão nenhuma?

Estou inteiramente só - pode dizer-se; pois aqui a gente da casa, que realmente me tem tratado muito bem, é em todo o caso de cerimonia, e só me vem trazer caldo, leite ou qualquer remedio durante o dia; não me faz, nem era de esperar, companhia nenhuma. E então a esta hora da noite parece-me que estou num deserto; estou com sêde e não tenho quem me dê qualquer cousa a tomar; estou meio-doido com o isolamento em que me sinto e nem tenho quem ao menos vele um pouco aqui enquanto eu tentasse dormir.

Estou cheio de frio, vou estender-me na cama para fingir que repouso. Não sei quando te mandarei esta carta ou se acrescentarei ainda mais alguma cousa.

Ai, meu amor, meu Bébé, minha bonequinha, quem te tivesse aqui!
Muitos, muitos, muitos, muitos, muitos beijos do teu, sempre teu

Fernando

Nove meses, muitos medos, improváveis e impossíveis depois...

Dia 29.nov.1920

Ophelinha:

Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?

Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.

O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, naão havia gente feliz no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d’essa illusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.

Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?

Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.

Quanto a mim…

O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh’as attribuisse.

Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.

Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil

Que isto de “outras affeições” e de “outros caminhos” é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.

Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.

Fernando

(Cartas de Fernando Pessoa a Ophélia de Queiroz publicadas no site oficial de Fernando Pessoa)

segunda-feira, 9 de março de 2009

Desencontros Inspiradores

Ophélia de Queiroz, grande amor de Fernando Pessoa (1888/1935).

"Um dia faltou a luz no escritório. O Freitas não estava e o Osório, o 'grumete', tinha saído a fazer um recado. O Fernando foi buscar um candeeiro de petróleo, acendeu-o e pô-lo em cima da minha secretária.
.
Um pouco antes da hora de saída, atirou-me um bilhetezinho para cima da secretária, que dizia: 'Peço-lhe que fique'. Eu fiquei, na expectativa. Nessa altura já eu me tinha apercebido do interesse do Fernando por mim, e eu confesso, também lhe achava uma certa graça…
.
Lembro-me que estava em pé, a vestir o casaco, quando ele entrou no meu gabinete. Sentou-se na minha cadeira, pousou o candeeiro que trazia na mão e, virado para mim, começou de repente a declarar-se, como Hamlet se declarou a Ofélia: 'Ó, querida Ofélia! Meço mal os meus versos; careço de arte para medir os meus suspiros; mas amo-te em extremo. Oh! até do último extremo, acredita!'
.
Fiquei pertubadíssima, como é natural, e, sem saber o que havia de dizer, acabei de vestir o casaco e despedi-me precipitadamente. O Fernando levantou-se, com o candeeiro na mão, para me acompanhar até à porta. Mas, de repente, pousou-o sobre a divisória da parede; sem eu esperar, agarrou-me pela cintura, abraçou-me e, sem dizer uma palavra, beijou-me, beijou-me apaixonadamente, como louco.
.
(...)
Fui para casa, comprometida e confusa. Passaram-se dias e como o Fernando parecia ignorar o que se havia passado entre nós, resolvi eu escrever uma carta, pedindo-lhe uma explicação. É o que dá origem à sua primeira carta-resposta, datada de 1 de Março de 1920.
.
Assim começámos o 'namoro'."

Ophéliazinha:

Para me mostrar o seu desprezo, ou pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão comprido, nem da serie de 'razões' tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-m’o. Assim, entendo da mesma maneira, mas doe-me mais.

Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Opheliazinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.

Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso 'entalar'.

Porque não é franca comigo? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém-, e quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lh’a venham acrescentar creando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça.

Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica d’isto tudo sou eu.

Eu-proprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse não fosse no sofrimento que tem prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio bem que amá-la não é razão bastante para o merecer. Enfim…

Ahi fica o 'documento escrito' que me pede. Reconhece a minha assinatura o tabelião Eugenio Silva.

01/03/1920
Fernando Pessoa

(Carta de Fernando Pessoa e relato de Ophélia Queiroz - 1900/1991 - recolhido e estruturado por sua sobrinha-neta Maria da Graça Queiroz, publicados no site oficial de Fernando Pessoa.)

Menos de dois meses depois...

Meu Bebezinho lindo:

Não imaginas a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (Alvaro de Campos).

Tenho estado muito triste, e além d’isso muito cansado - triste não só por te não poder ver, como tambem pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, habil d’essas pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espirito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio. Não digo que tu propria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado…

Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver, ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á minha. No escriptorio eras mais docil, mais meiga, mais amoravel.

Enfim… Amanhã passo á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer á janella?

Sempre e muito teu
Fernando

(Carta a Ophélia Queiroz em 24.abr.1920 publicada no site oficial de Fernando Pessoa)

Desencontros Inspiradores

Ophélia de Queiroz, grande amor de Fernando Pessoa (1888/1935).

"Um dia faltou a luz no escritório. O Freitas não estava e o Osório, o 'grumete', tinha saído a fazer um recado. O Fernando foi buscar um candeeiro de petróleo, acendeu-o e pô-lo em cima da minha secretária.
.
Um pouco antes da hora de saída, atirou-me um bilhetezinho para cima da secretária, que dizia: 'Peço-lhe que fique'. Eu fiquei, na expectativa. Nessa altura já eu me tinha apercebido do interesse do Fernando por mim, e eu confesso, também lhe achava uma certa graça…
.
Lembro-me que estava em pé, a vestir o casaco, quando ele entrou no meu gabinete. Sentou-se na minha cadeira, pousou o candeeiro que trazia na mão e, virado para mim, começou de repente a declarar-se, como Hamlet se declarou a Ofélia: 'Ó, querida Ofélia! Meço mal os meus versos; careço de arte para medir os meus suspiros; mas amo-te em extremo. Oh! até do último extremo, acredita!'
.
Fiquei pertubadíssima, como é natural, e, sem saber o que havia de dizer, acabei de vestir o casaco e despedi-me precipitadamente. O Fernando levantou-se, com o candeeiro na mão, para me acompanhar até à porta. Mas, de repente, pousou-o sobre a divisória da parede; sem eu esperar, agarrou-me pela cintura, abraçou-me e, sem dizer uma palavra, beijou-me, beijou-me apaixonadamente, como louco.
.
(...)
Fui para casa, comprometida e confusa. Passaram-se dias e como o Fernando parecia ignorar o que se havia passado entre nós, resolvi eu escrever uma carta, pedindo-lhe uma explicação. É o que dá origem à sua primeira carta-resposta, datada de 1 de Março de 1920.
.
Assim começámos o 'namoro'."

Ophéliazinha:

Para me mostrar o seu desprezo, ou pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão comprido, nem da serie de 'razões' tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-m’o. Assim, entendo da mesma maneira, mas doe-me mais.

Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Opheliazinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.

Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso 'entalar'.

Porque não é franca comigo? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém-, e quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lh’a venham acrescentar creando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça.

Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica d’isto tudo sou eu.

Eu-proprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse não fosse no sofrimento que tem prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio bem que amá-la não é razão bastante para o merecer. Enfim…

Ahi fica o 'documento escrito' que me pede. Reconhece a minha assinatura o tabelião Eugenio Silva.

01/03/1920
Fernando Pessoa

(Carta de Fernando Pessoa e relato de Ophélia Queiroz - 1900/1991 - recolhido e estruturado por sua sobrinha-neta Maria da Graça Queiroz, publicados no site oficial de Fernando Pessoa.)

Menos de dois meses depois...

Meu Bebezinho lindo:

Não imaginas a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (Alvaro de Campos).

Tenho estado muito triste, e além d’isso muito cansado - triste não só por te não poder ver, como tambem pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, habil d’essas pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espirito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio. Não digo que tu propria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado…

Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver, ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á minha. No escriptorio eras mais docil, mais meiga, mais amoravel.

Enfim… Amanhã passo á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer á janella?

Sempre e muito teu
Fernando

(Carta a Ophélia Queiroz em 24.abr.1920 publicada no site oficial de Fernando Pessoa)

domingo, 8 de março de 2009

A Original

(Lenine colado à sua janela de retorno em uma foto que dispensa comentários)
.
Ela é minha delicia
O meu adorno
Janela de retorno
Uma viagem sideral

Ela é minha festa
Meu requinte
A única ouvinte
Da minha radio nacional

Ela é minha sina
O meu cinema
A tela da minha cena
A cerca do meu quintal

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã....

Ela é minha orgia
Meu quitute
Insaciável apetite
Numa ceia de natal

Ela é minha bela
Meu brinquedo
Minha certeza, meu medo
É meu céu e meu mal

Ela é o meu vício
E dependência
Incansável paciência
E o desfecho final

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã....

Meu fá, minha fã
A massa e a maçã
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã
Meu lá, minha lã
Minha paga, minha pagã
Meu velar, meu avelã
Amor em Roma, aroma de romã

O sal e o são
O que é certo, o que é sertão
Meu Tao, e meu tão...
Nau de Nassau, minha nação.

("Meu Amanhã" de Lenine)

Como é dura essa vida de fonte de inspiração...
E como é linda. E como eu quero.

A Original

(Lenine colado à sua janela de retorno em uma foto que dispensa comentários)
.
Ela é minha delicia
O meu adorno
Janela de retorno
Uma viagem sideral

Ela é minha festa
Meu requinte
A única ouvinte
Da minha radio nacional

Ela é minha sina
O meu cinema
A tela da minha cena
A cerca do meu quintal

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã....

Ela é minha orgia
Meu quitute
Insaciável apetite
Numa ceia de natal

Ela é minha bela
Meu brinquedo
Minha certeza, meu medo
É meu céu e meu mal

Ela é o meu vício
E dependência
Incansável paciência
E o desfecho final

Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã....

Meu fá, minha fã
A massa e a maçã
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã
Meu lá, minha lã
Minha paga, minha pagã
Meu velar, meu avelã
Amor em Roma, aroma de romã

O sal e o são
O que é certo, o que é sertão
Meu Tao, e meu tão...
Nau de Nassau, minha nação.

("Meu Amanhã" de Lenine)

Como é dura essa vida de fonte de inspiração...
E como é linda. E como eu quero.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Desgraçada

(Fotografia de Francesco Cepolina, www.cepolina.com)

Meu querido e amado Ciumento dos Infernos,

Você enlouqueceu de vez?

Tenho andado cabisbaixa, borocoxô, jururu de tanta saudade de você, falo do meu amor diariamente a todos que quiserem ouvir, e você me vem com essa agora???

Faça-me o favor...

Partir? Só se for para perto de você: o Único no mundo que - para minha desgraça e eterna ventura - descompassa esse pobre coração, que me descabela a vida, que me arranca suspiros, que me enlouquece noite e dia, e por quem, se tivesse dois corações, certamente faria uma merda. Pegar um avião.

Aproveitando o ensejo: eu te amo, seu malcriado.
.
[Alguma dúvida?]

Desgraçada

(Fotografia de Francesco Cepolina, www.cepolina.com)

Meu querido e amado Ciumento dos Infernos,

Você enlouqueceu de vez?

Tenho andado cabisbaixa, borocoxô, jururu de tanta saudade de você, falo do meu amor diariamente a todos que quiserem ouvir, e você me vem com essa agora???

Faça-me o favor...

Partir? Só se for para perto de você: o Único no mundo que - para minha desgraça e eterna ventura - descompassa esse pobre coração, que me descabela a vida, que me arranca suspiros, que me enlouquece noite e dia, e por quem, se tivesse dois corações, certamente faria uma merda. Pegar um avião.

Aproveitando o ensejo: eu te amo, seu malcriado.
.
[Alguma dúvida?]

quinta-feira, 5 de março de 2009

Descompassada

(Dois corações em pleno descompasso)

.
Deu no Globo Online hoje: "Homem de 53 anos viverá com dois corações por tempo indeterminado".

Deus me livre.
Se com um só eu já fico doida, com dois, então... ia dar merda.

Descompassada

(Dois corações em pleno descompasso)

.
Deu no Globo Online hoje: "Homem de 53 anos viverá com dois corações por tempo indeterminado".

Deus me livre.
Se com um só eu já fico doida, com dois, então... ia dar merda.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Entre o impossível e o improvável

(Charlie Brown e Linus em uma das fantásticas tiras de "Peanuts",
Charles M. Schultz, 1922/2000)
.
É difícil esquecer quando se tem fé.

Entre o impossível e o improvável

(Charlie Brown e Linus em uma das fantásticas tiras de "Peanuts",
Charles M. Schultz, 1922/2000)
.
É difícil esquecer quando se tem fé.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O que não há

(Foto de divulgação de Eva Mendes, expulsa do paraíso, pensando no que não foi)

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão
—Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!

("Pecado Original", de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

O que não há

(Foto de divulgação de Eva Mendes, expulsa do paraíso, pensando no que não foi)

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão
—Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!

("Pecado Original", de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

domingo, 1 de março de 2009

A Presença na Ausência

(Mulher que espera uma chegada, uma volta, um sinal prometido de Chico enquanto transforma a agonia em melodia com sua cuíca )
Na muldião, no Leblon, uma senhora de idade sambava, suava e sorria, quando de repente olhou para mim, desconhecida, e afirmou com segurança:
- Ele vem. Ele vem!

A reconheci na hora e respondi sem medo:
- Não! Ele já está aqui! Por todos os lados!!!

"O que me enche assim? Uma totalidade? Não. Algo que, partindo da totalidade, vem a excedê-la: uma totalidade sem complemento, um total sem restrição, um lugar sem nada ao lado ('minha alma não está apenas preenchida, extravasa'). (...) Milagre: deixando atrás de mim toda 'satisfação', nem farto nem saturado, ultrapasso os limites da saciedade, e, em vez de encontrar o desgosto, a náusea, ou mesmo a embriaguez, descubro... a Coincidência. A desmedida me conduziu à medida; colo na Imagem, nossas medidas são as mesmas: exatidão, justeza, música: acabei com o não chega. Vivo então a assunção definitiva do Imaginário, seu triunfo".

(Roland Barthes em "Fragmentos de um Discurso Amoroso, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 192)

A Presença na Ausência

(Mulher que espera uma chegada, uma volta, um sinal prometido de Chico enquanto transforma a agonia em melodia com sua cuíca )
Na muldião, no Leblon, uma senhora de idade sambava, suava e sorria, quando de repente olhou para mim, desconhecida, e afirmou com segurança:
- Ele vem. Ele vem!

A reconheci na hora e respondi sem medo:
- Não! Ele já está aqui! Por todos os lados!!!

"O que me enche assim? Uma totalidade? Não. Algo que, partindo da totalidade, vem a excedê-la: uma totalidade sem complemento, um total sem restrição, um lugar sem nada ao lado ('minha alma não está apenas preenchida, extravasa'). (...) Milagre: deixando atrás de mim toda 'satisfação', nem farto nem saturado, ultrapasso os limites da saciedade, e, em vez de encontrar o desgosto, a náusea, ou mesmo a embriaguez, descubro... a Coincidência. A desmedida me conduziu à medida; colo na Imagem, nossas medidas são as mesmas: exatidão, justeza, música: acabei com o não chega. Vivo então a assunção definitiva do Imaginário, seu triunfo".

(Roland Barthes em "Fragmentos de um Discurso Amoroso, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 192)