terça-feira, 17 de março de 2009

Desencontros Inspiradores, parte III - A Morte

(Fernando Pessoa transformando amor em xadrez com a ajuda do ocultista britânico Aleister Crowley, Lisboa, 1930)

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Nove anos depois...

09.out.1929

Terrivel Bebé:
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Gosto de suas cartas, que são meiguinhas, e tambem gosto de si, que é meiginha tambem. E é bonbon, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguem gosta de mim, e tambem porque é que a havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao principio, e parece-me que ainda lhe telephono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na bocca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a bocca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu hombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha de um meliante de um cevado e (…) e eu gostava que a Bebé fôsse uma boneca minha, e eu fazia como uma crença, despia-a, e o papel acabava aqui mesmo, e isto parece impossivel de ser escripto por um ente humano, mas é escripto por mim.

Fernando
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(Carta do poeta a Ophélia de Queiroz publicada no site oficial de Fernando Pessoa)

Pessoa e Ophélia reatam o namoro em 1929, mas, cada vez mais nervoso e obsecado pela sua obra, o poeta queixava-se sempre do medo que tinha de não conseguir fazer Ophélia feliz e não poder dar-lhe a vida que imaginava merecer.

Em 1931 o casal se separa pela última vez.

- Depois, talvez tenha vivido sempre um pouco com a esperança que ele voltasse. Porque é preciso ver que eu nunca senti que Ele tivesse deixado de gostar de mim. Antes pelo contrário. Eu, no fundo, sabia também que a sua vida já não lhe pertencia, estava entregue a outros Mestres, como Ele próprio o disse. E assim deixei correr o tempo sem nunca responder à sua última carta.

Em 1935 Fernando Pessoa é internado às pessas por complicações hepáticas, e no dia 30 de novembro vem a morrer no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa.

Ophélia recebeu a notícia da morte de Pessoa através de seu sobrinho, Carlos Queiroz, grande amigo do poeta.

- Levei a mão à cabeça, dei um grito. Chorei muito, por muito tempo. Não fui ao enterro, não quis aparecer, mas se tivesse sabido que ele estava no hospital doente, tenho a certeza absoluta de que o tinha ido visitar.

Com o tempo, Ophélia retomou a sua vida, casou-se três anos depois, teve filhos, mas em 1991, aos 91 anos de idade, morreu em casa afirmando que, apesar de sempre ter tido muita admiração e amizade por seu marido, Fernando Pessoa ainda era o grande amor de sua vida.

("Ophélia -O Mistério duma Pessoa", matéria publicada pelo Instituto Camões e reproduzida no site do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina)

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