sábado, 4 de outubro de 2008

E a noite clareava a noite...

"Experimento duas noites uma de cada vez, uma boa, outra má. Para dizê-lo me sirvo de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode ser produzido sem que haja erro, porque estou privado da luz das causas e das finalidades; estar em tinieblas (estar nas trevas) me acontece quando a ligação às coisas e a desordem que daí provém me deixam cego.

Mais frequentemente, estou na obscuridade total do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é um mal, tudo repercute, vivo golpe atrás de golpe; estoy en tinieblas. Mas também, às vezes, a Noite é outra: sozinho, em postura de meditação (será talvez um papel que me atribuo?), penso calmamente no outro, como ele é: suspendo toda interpretação; entro na noite do sem-sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas nada quero possuir; é a noite do sem-proveito, do gasto sutil, invisível: estoy a escuras: eu estou lá, sentado simples e calmamente no negro interior do amor".

(Roland Barthes in Fragmentos de um Discurso Amoroso, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 152)

Nenhum comentário: