
Há mais ou menos uma semana, enquanto lia o blog do psicanalista curitibano
Leonardo Ferrari - o que faço diariamente e recomendo a todos que desejam ver um pouco mais, pensar um pouco mais, sentir um pouco mais, viver um pouco mais... - fui absolutamente tomada pela idéia contida no trecho por ele transcrito do livro de Tom Perrot intitulado "Criancinhas", no qual quatro personagens discutiam as possíveis motivações de Madame Bovary - personagem da obra clássica de Flaubert - que reiteradamente traía seu marido, tido por todos como um bom homem, um bom marido, uma boa opção, uma boa possibilidade de parceria.
A todos parecia ele uma boa escolha. Enquanto a ela - ao contrário - parecia apenas o símbolo daquilo que não pôde escolher, do que lhe foi imposto: do que impedia seu movimento, refugiava sua infelicidade.
Reflete, então, uma das personagens de Perrot que a grande questão do drama seria, na verdade, não a traição em si, mas sim a revelação do "anseio por uma alternativa. A recusa em aceitar a infelicidade".
[Lindo isso]
Sim, ela se recusa a aceitar a infelicidade. Ela se rebela. Ela escolhe escolher. E age. E em sua marcha, antes de garantir fidelidade ao outro, decide ser fiel a si mesma.
E não foge. Ela enfrenta o medo que lhe fez ficar até então, e parte em busca daquela que pensa ser a melhor chance de alcançar a felicidade. E o faz da única forma que sabe fazer, da única forma que consegue fazer, da única forma que pode fazer naquele momento.
E sofre.
Ela não se conforma. Não se conforma. Ninguém se conforma. E desde então nos colocamos a procurar uma resposta para esse impulso tão bravo quanto delinqüente. Tão nobre quanto condenável. Tão inspirador quanto execrável. Hesitamos, na verdade, por aquilo que é tão dela quanto nosso: tudo o que é feio, inadequado, imperfeito. Tão ilustrativo quanto desconcertante. Tão humano. Tão humano...
E arrisca a personagem da história - que conta a história daquela outra história - a concluir que talvez ela não tenha sido feliz em sua busca porque cometeu "adultério com perdedores": por não ter encontrado "um parceiro digno de sua paixão heróica".
O difícil nessa história é saber quem perde e quem ganha quando todos, na verdade, apenas sofrem. E se perdem, perdem apenas a oportunidade. Oportunidade perdida não se ter coragem de enfrentar seus próprios demônios, desafiar seus próprios limites, desbravar seu próprio caminho. Oportunidade perdida por aquele tão inconformado com sua infelicidade quanto disposto a escolher viver uma vida por ele escolhida. Como ela fez.
Ela partiu rumo ao seu sonho.
E "apesar de" escolheu lutar.
"Apesar de" escolheu sentir.
"Apesar de" escolheu amar.
Só não encontrou um parceiro digno de sua paixão heróica.
Ainda não.