quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A Beleza que Mora Aqui em Algum Lugar

A revista Psique do mês de junho (edição 29) – que conheci recentemente e já não consigo parar de ler – trouxe na coluna do escritor e psicanalista Rubem Alves (“Palavras”) um belíssimo artigo sobre o nosso (re)encontro com a beleza...

Tão revelador e profundo, esse texto me encantou, me tocou, me tomou para sempre. Entranhou-se na minha carne ou apenas me levou de encontro àquela verdade, que já estava aqui dentro em algum lugar. Foi como se tudo passasse a fazer sentido a partir dali...

E agora é também de vocês:

“(...) Não é meu costume ouvir música enquanto escrevo. Fico possuído pela música, numa espécie de êxtase e isso faz parar meus pensamentos. Contrariando o meu hábito coloquei no micro um CD de uma peça que nunca ouvira, sonata para violino e piano de César Franck. Minutos depois eu estava chorando. Aí interrompi o choro e fiz um exercício filosófico. Perguntei-me: ‘Por que é que você está chorando?’ A resposta veio fácil: ‘É por causa da beleza...” Continuei: “Mas o que é a experiência de beleza?” Sem uma resposta pronta veio-me algo que aprendi com Platão. Platão, quando não conseguia dar respostas racionais, inventava mitos. Ele contou que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas do universo. Essa experiência foi tão forte que todas as infinitas formas de beleza do universo ficam eternamente gravadas na alma. Ao nascer nos esquecemos delas. Mas não as perdemos. A beleza fica em nós, adormecida como um feto. Todos estamos grávidos de beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. Quando a beleza nasce re-encontramos-nos com nós mesmos e experimentamos a alegria.

Agora vem a minha contribuição. Continuo o mito. Há seres privilegiados – eles bem que poderiam ser chamados de anjos – aos quais é dado acesso a esse mundo espiritual de beleza. Eles vêem e ouvem aquilo que nós nem vemos e nem ouvimos. E eles transformam então o que viram e ouviram em objetos belos que o corpo pode ver e ouvir. É assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que me comove por sua beleza eu me re-encontro com a mesma beleza que estava adormecida dentro de mim.

‘Quando te vi amei-te já muito antes. Tornei a encontrar-te quando te achei.’ Essa é a mais bela declaração de amor que conheço, escrita pelo anjo Fernando Pessoa. Tu já estavas dentro de mim antes que te encontrasse. O nosso encontro não foi encontro; foi re-encontro... Isso que o poeta diz para um homem ou uma mulher pode ser dito também para uma música: ‘Quando te ouvi, ouvi-te muito antes. Tornei a ouvir-te quando te ouvi...’

O que me comoveu, então, não foi a música de César Franck. Foi a sonata que estava adormecida dentro de mim e que a sonata de César Franck fez acordar. Ao me comover com a beleza da música eu me re-encontro com a minha própria beleza. Por isso a música me trás felicidade...”

Fonte: Artigo “Minha música...” de Rubem Alves, Coluna “Palavras”, in Revista Psique Ciência e Vida, número 29.

6 comentários:

Anônimo disse...

"..... a música bela deperta a alma adormecida...desperta as emoções inerentes a todos nós seres humanos...faz reacender a chama do sonho de cada um....o som vindo da arpa dos anjos é um som de felicidade e vida!!"

Isabela Dantas disse...

ANÔNIMO:
Obrigada por sua mensagem.
A beleza quando adormecida dentro de todos nós aguarda apenas um toque para transbordar!
Bjs.

Anônimo disse...

....haha...a bela não me reconheceu de novo.....

Isabela Dantas disse...

Reconheci sim... mandei beijo e tudo!
Não costumo mandar "bjs" para anônimos estranhos...!
(Risos)

Anônimo disse...

Cara Isabela, belíssimas palavras. Essa do Fernando Pessoa é magnífica!! Um grande abraço, Leonardo Ferrari.

Isabela Dantas disse...

FERRARI:
Obrigada pelo seu carinho!
Sim, sim! Essa passagem é linda demais, e este poema ["A Falência do Prazer e do Amor"] é de uma verdade, uma clareza, uma humanidade, que chega a doer na gente.
Um grande beijo.