quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sem perceber, sem parar para pensar, sem pontuação

(José Saramago na praia Quemada, Lanzarote, Ilhas Canárias. Fotografia de Pedro Walter, El País)

E foi assim que ele entrou na minha vida: fazendo falta.

"Eu tinha uma história para contar, a história dessa gente, de três gerações de uma família de camponeses do Alentejo, com tudo: fome, o desemprego, o latifúndio, a política, a igreja, tudo. Mas me faltava alguma coisa, me faltava como contar isso... Então, o que aconteceu? Na altura da página 24, 25, estava indo bem e por isso eu não estava gostando. E sem perceber, sem parar para pensar, comecei a escrever como todos os meus leitores hoje sabem que eu escrevo, sem pontuação. Sem nenhuma, sem essa parafernália de todos os sinais, de todos os sinais que vamos pondo aí... Então, eu acho que isso aconteceu porque, sem que eu percebesse, é como se, na hora de escrever, eu subitamente me encontrasse no lugar deles, só que agora narrando a eles o que eles me haviam narrado. Eu estava devolvendo pelo mesmo processo, pela oralidade, o que, pela oralidade, eu havia recebido deles".

(Entrevista publicada no livro "José Saramago: O Período Formativo", de Horácio Costa,  Portugal: Ed. Caminho, 1998, p. 22-23)

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