quarta-feira, 8 de julho de 2009

Arma-d-ilha

(Fotografia de Donncha O. Caoimh, EUA, Arizona, 2008)

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“Idéia de suicídio; idéia de separação; idéia de retirada; idéia de viagem; idéia de oblação, etc; posso imaginar várias soluções para a crise amorosa e é o que estou sempre fazendo. Entretanto, por mais alienado que eu esteja, não me é difícil perceber, através dessas idéias recorrentes, uma figura única, vazia, que não é outra senão a da saída; aquilo com que eu vivo complacentemente é o fantasma de um outro papel: o papel de alguém que ‘se sai bem’. Assim se revela, mais uma vez, a natureza lingüística do sentimento amoroso: toda solução é impiedosamente devolvida à sua idéia única – quer dizer a um ser verbal; de modo que sendo finalmente linguagem, a idéia de saída vem se ajustar à privação de toda saída: o discurso amoroso é de certa forma um recinto fechado de Saídas.
(...)
Todas as soluções que imagino são interiores ao sistema amoroso: retirada, viagem, suicídio, é sempre o enamorado que se enclausura, vai embora ou morre; se ele se vê enclausurado, indo embora ou morto, é sempre um enamorado que ele vê: ordeno a mim mesmo estar sempre apaixonado e de não estar mais. Essa espécie de identidade entre o problema e a solução define precisamente a armadilha: caio na armadilha porque não está ao meu alcance mudar de sistema: sou ‘feito’ duas vezes: no interior do meu próprio sistema e porque não posso substituí-lo por outro. Esse nó duplo define, parece, um certo tipo de loucura (a armadilha se fecha quando a infelicidade não tem contrário: ‘Para que haja infelicidade, é preciso que o próprio bem faça mal’). Quebra-cabeça: para ‘me sair bem’, seria preciso que eu saísse do sistema (...). Se não fosse da ‘natureza’ do delírio amoroso passar, acabar sozinho, ninguém poderia nunca terminar com isso”.
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(Roland Barthes in “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 176/177)

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