domingo, 28 de dezembro de 2008

Vento

"... se eu tivesse voltado com ele, para ele, já não poderia cantar aquelas canções melodiosas e arrebatadoras que falavam da dor de minha perda e de toda a perda, músicas que giraram o mundo difundidas pelos jukebox e depois pelos CDs, adoradas por todos que só continuariam a adorá-las se ele as cantasse mais ainda e cantasse outras como aquelas, o sofrimento por minha distância, o vento que movia as cordas de sua lira, que o tornava poeta somente se estivesse sem mim, pela dor de estar sem mim.
(...)
O senhor vai entender, senhor Presidente, por que, quando já estávamos bem próximos das portas, eu o chamei com voz forte e segura, a voz de quando eu era jovem, e ele - sabia que não teria resistido - se virou, enquanto eu me sentia aspirada para trás, leve, cada vez mais leve, uma figurinha de carta no vento, uma sombra que se alonga, se retira e se confunde com as outras sombras da noite, e ele me olhava petrificado, mas firme e seguro, e eu me dissipava feliz diante de seu olhar, porque já o via retornando aflito mas forte para a vida, ignorante do nada, ainda capaz de serenidade, talvez até de felicidade. Agora, de fato, em casa, em nossa casa, ele dorme tranqüilo. Um tanto cansado, é claro, porém...".
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(Claudio Magris em "O Senhor vai Entender", São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.53/55)

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