
Sábado. Oito e meia da noite.
Fazia frio. Uns dezoito graus (o que para mim já é bem frio).
Meu filho, com o pai.
Eu, no mercado (sim, eu adoro mercado).
Estava começando a gostar da idéia de passar na Blockbuster, assar uma pizza, abrir uma boa garrafa de vinho, que está lá em casa há alguns meses à espera de uma ocasião especial - que está difícil de acontecer –, e passar a noite na melhor companhia do mundo naquelas circunstâncias: a minha.
Eis que o telefone toca. Número não identificado. Uma voz masculina com uma empolgação de dar inveja a qualquer histérico recém transpassado pela angústia da castração:
- E AEEEEEEEEEEEEEEE!!! FAAAAALA BELAAAAAAA!!!! Cadê você, mulher?!! Nem me ligou na semana passada, hein?! Sacanagem...
Amigo de longa data. Leia-se: A-M-I-G-O. Recém separado. Felicidade típica de quem acabou de entrar para o clube.
- E aí, filho? Tudo bem?
- POOOOOOOORRA... tô no churrasco de um amigo meu, aqui perto da sua casa, desde o meio dia... Já viu né?! Mas e aí, qual a boa?!
Pronto. Naquele momento, já tinha certeza de que ainda não seria naquela noite que derrubaria a tal garrafa de vinho; mas como mulher é bicho carente, fiz doce:
- Então... Estava me preparando ficar embrulhadinha em casa... Por quê? Qual é o plano?
- BUKO!
Era a senha.
- CLARO que vamos. A que horas?
E corre pro caixa. Paga as compras. Joga tudo na mala do carro. Corre pra casa. Tira tudo da mala. Põe tudo no carrinho de compras do prédio (ufff...). Sobe o elevador. Tira tudo do carrinho e joga no chão da cozinha (uffffffffffffff...). Carrinho no elevador (sozinho, claro). Volta para a cozinha. Olha a zona que terá que arrumar...
... E começa a ficar com preguiça de sair...
Se já não tivesse feito algumas ligações para suas amigas no caminho até a casa, poderia até desistir, mas agora, com a mulherada ouriçadíssima para conhecer o amigo recém-solteiro, não tinha mais essa escolha.
E vamos nós.
Bar cheio. Cerveja gelada. “Roquenrol” da melhor qualidade. Amigas balzaquianas cheias de hormônios e histórias para contar. Fórmula perfeita para a diversão garantida.
A primeira, dizendo ver o mundo bege ao lado do gatinho atual, se deliciava com a idéia de viver uma paixão avassaladora, enquanto esperava o telefone tocar – porque, afinal, estavam meio brigados naquela noite.
A segunda, dizendo estar tranqüilíssima na sua condição de solteira, relembrava amores passados e perguntava pelo amigo recém-solteiro da amiga, que na última ligação disse estar em Botafogo e ainda não havia chegado.
Eu, semi-cansada do mercado, semi-cansada da vida de solteira, semi-revoltada com o desfecho do último relacionamento – que me rendeu um lindo cooler e lindas fotos tipo anúncio de margarina –, preferi me concentrar na cerveja gelada, no “roquenrol” da melhor qualidade e nas divertidíssimas histórias das amigas balzaquianas cheias de hormônios.
E lá vêm eles.
O amigo recém-solteiro.
Os amigos do amigo recém-solteiro.
E o mais curioso: vieram em mesmo número que nós. Era, praticamente, um para um – se todos ali estivessem dispostos a um “corpo-a-corpo”.
Pensei comigo: "Homem é bicho bobo mesmo..."
Mas vamos em frente.
Papo vai. Papo vem. O grandão sacou logo de saída que não teria jogo comigo – a maior de todas – e sumiu. Talvez em um gesto de lealdade para com seus amigos de estatura menos privilegiada... Talvez porque simplesmente não gostou de ninguém e não estava a fim de ficar batendo papo... ENFIM, isso não tem a menor importância para a história.
Na pista, cansada de ficar esperando o celular tocar, a amiga semi-solteira resolveu desligar - inclusive o aparelho - e procurar cores mais vivas no mundo ao seu redor. E nessa onda, o amigo riponga do amigo recém-solteiro se apaixonou e enfrentou um grande problema: não conseguia nem tirar os olhos da menina e nem se aproximar dela. Perdeu pontos.
O amigo recém-solteiro chegou de sola na amiga solteira-convicta, se apaixonaram, casaram, tiveram muitos filhos e viveram felizes para sempre naquela noite.
Enquanto o amigo riponga continuava fazendo feio, a amiga semi-solteira-fora-da-área-de-cobertura resolveu ligar o celular novamente – só para que o futuro-ex-gatinho não tivesse mais esse argumento na briga do dia seguinte – e me chamou para mostrar alguém que chegava ao recinto:
- Olha lá. Aquela ali não é a Cléo Perez?
- Sei lá. Acho que é...
- Bonita a desgraçada, né...
- É... mais ou menos...
- Ih... parou do nosso lado.
- Parece que sim...
- Ela é da minha altura, hein?
- Sei lá... Acho que é...
- Ih... ela tá rebolando pra cá. Será que ela é sapata?
- Caralho, filha... tu tá a fim da Cléo Perez? Na boa!!! Calma aí! O gatinho vai ligar! E se não ligar, foda-se! Tá cheio de cara bacana no mundo.
Não se mente para uma amiga dessa forma, eu sei, mas naquele momento de desespero, não consegui pensar em nada melhor.
- E vamos dançar pra lá, porque a concorrência aqui tá desleal!
Fomos gargalhando para o outro lado da pista, estabelecendo metas e diretrizes para não abandonarmos o plano de continuarmos habitando o universo heterosexual – afinal de contas, depois dos trinta, de tantas desilusões, frustrações e aborrecimentos, a paciência com os homens, de fato, começa a ficar escassa.
E lá fomos nós... E o amigo riponga também. Claro.
Mais cerveja gelada. “Roquenrol” da melhor qualidade. Amigas balzaquianas semi-sonolentas, com os hormônios já semi-adormecidos, e nas cabeças, só merda: “ah, se ele estivesse aqui”, “ah, se ele não fosse tão babaca”, “ah, se ele fosse pra puta que o pariu”...
Na boa: Hora de ir para casa.
No carro, os últimos comentários infames sobre os personagens bizarros da noite, e a dúvida de sempre: “Por onde será que os caras maneiros devem estar a essa hora, hein...?”
- Dormindo, porra! Já são quase seis da manhã!
Quatro semanas depois...
Quinta-feira. Onze e pouca da manhã.
Sol forte lá fora. Escritório gelado. Vontade "zero" de trabalhar.
Destino dos personagens: O amigo recém-solteiro continua solteiro, porque foi com muita sede ao pote da amiga solteira-convicta, que se apavorou e saiu correndo depois do terceiro encontro em uma única semana e algumas ligações no meio do dia.
A amiga semi-solteira enrolada com o gatinho bege terminou com ele, logo descobriu que o daltonismo era seu, voltou atrás, admitiu que, na verdade, estava com muito medo da vida das cores, e hoje está muito bem – obrigada – com aquele que já se arrisca a chamar de N-A-M-O-R-A-D-O.
O amigo grandão do amigo recém-solteiro nunca mais foi visto depois que saiu correndo pelas ruas de Botafogo naquela noite, sabe-se lá por quê.
Eu estou aqui pensando que, às vezes, coisas muito bacanas acontecem debaixo do nosso nariz, mas estamos quase sempre muito “pré-ocupados” para perceber...
... E por falar nisso, por onde andará o amigo riponga, hein?
Ah, e a garrafa de vinho continua lá em casa. Agora esperando apenas a pizza, o filminho da Blockbuster e a próxima noite fria, que virá.