quarta-feira, 7 de maio de 2008

Filosofópolis, Psicolândia e Outras Viagens

Há algumas semanas, recebi o e-mail de um grande amigo com um “convite” à reflexão sobre a entrevista de um psiquiatra gaúcho, intitulada “A prisão de cada um”, no qual o médico sustentava que “o máximo de liberdade que o ser humano pode aspirar é escolher a prisão na qual quer viver”...

Torci o nariz, mas prossegui na leitura.

Utilizando exemplos das mais variadas escolhas que podemos fazer ao longo da vida, o psiquiatra afirmava que “tudo que lhe dá segurança ao mesmo tempo lhe escraviza” e que, do mesmo modo, a escolha de “viver sem laços (...) pode nos reter”.

Segundo ele: “O casamento pode ser uma prisão. E a maternidade, a pena máxima. Um emprego que rende um gordo salário trancafia você, o impede de chutar o balde e arriscar novos vôos. (...) Uma vida mundana, sem dependentes para sustentar, o céu como limite: prisão também. Você se condena a passar o resto da vida sem experimentar a delícia de uma vida amorosa estável, o conforto de um endereço certo e a imortalidade alcançada através de um filho”.

Aos poucos fui percebendo a angústia do autor disfarçada naquele “pseudo-conformismo-risonho”, e fui me interessando mais pelos possíveis conflitos neuróticos que o impulsionavam do que propriamente pelo seu discurso.

Ao final, o médico afirmou que “não nos obrigaram a nada, não nos trancafiaram num sanatório ou num presídio real, entre quatro paredes. Nosso crime é estar vivo (?) e nossa sentença é branda, visto que outros, ao cometerem o mesmo crime que nós – nascer – (hein???!!!) foram trancafiados em lugares chamados analfabetismo, miséria e exclusão”; e fechou com a máxima: “Brindemos: temos todos, cela especial”.

Numa boa, não era a primeira vez que discordava de um psiquiatra (!), mas ao final do texto, ao ler aquele desfecho, apesar de respeitar muitíssimo o ponto de vista do “pobre encarcerado”, senti-me compelida a compartilhar da minha opinião com vocês.

Vejam só: curiosamente, naquela mesma semana, havia lido um artigo muito interessante de um psicanalista paulista, elaborado a partir da apresentação em um congresso sobre os “desafios da clínica psicanalítica na atualidade” – tuuudo a ver com Direito Penal e em horário de expediente. Onde vou chegar com isso ainda não sei... –, que tratava de um assunto que me despertou profundo interesse – acompanhamento terapêutico –, e me arrebatou logo de início ao lançar a idéia de que “a nossa sociedade tende a dar espaços cada vez mais confinados e especializados aos nossos corpos... Se queremos andar – vamos ao parque, se queremos sonhar – vamos ao cinema, se queremos queixar – vamos ao terapeuta, se queremos esquecer – vamos ao psiquiatra, se queremos matar – vamos ao Iraque, se queremos enlouquecer – (silêncio), se queremos morrer – (silêncio). Bem vindos ao deserto do Real! A loucura e a morte parecem ser os últimos diques de confrontamento com o Real”.

Ih... Papo para muitos chopps.

De qualquer forma, apesar do artigo tratar especialmente dessa nova forma de intervenção clínica – através do qual um sujeito (AT) passa a acompanhar alguém com algum sofrimento psíquico intenso, geralmente psicóticos, na circulação pelos espaços que formam o campo social –, por não ser da área médica e, talvez, por estar atravessando um momento importante do meu processo psicanalítico, acabei sendo levada a uma reflexão sobre a liberdade de cada um de nós e, o que, de fato, estamos dispostos a fazer com ela.

Não tenho dúvidas de que somos seres absolutamente livres para fazermos o que quisermos de nossas vidas, exceto abdicarmos da própria liberdade que temos. Isso porque, ainda que quiséssemos renunciar à liberdade, seria esta restrição o resultado de um ato volitivo, de uma escolha determinada pela nossa própria vontade – podendo ser revista a qualquer tempo –, razão pela qual continuaríamos livres!

Somos livres para escolher e, da mesma forma, livres para viver uma vida inteira, se quisermos, abrindo mão de nossas escolhas, permitindo que as façam por nós. Contudo, vale lembrar que escolher “não escolher” não deixa de ser uma escolha possível daquele que se encontra no pleno exercício da sua liberdade...

Por isso, a liberdade, a meu ver, não é mera abstração, como sugere o psiquiatra, mas sim e antes de tudo, uma faculdade da qual somos todos dotados. Um poder irrenunciável. E considerando que somos seres em constante transformação – por estarmos sob influência permanente de fatores internos e externos ao nosso corpo – inevitável reconhecer o potencial de mutação dos nossos desejos, e, conseqüentemente, as infinitas possibilidades de escolhas que teremos diante de nós ao longo da vida.

E quer saber o que me assusta nessa história toda? Jogar no Google algumas palavras-chave sobre o tema, descobrir que não estou falando nenhuma novidade, e que Jean-Paul Sartre já dizia que a liberdade humana revela-se exatamente nessa angústia.

Para ele, o homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade, porque está condenado a fazer escolhas. A responsabilidade pelas escolhas seria tão opressiva para o homem, que o faria criar escapatórias através de atitudes e paradigmas de má-fé, onde se alienaria de sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e ideologias que o isentassem da responsabilidade sobre as próprias decisões.

Definitivamente, é isso.

E vou além: isso ocorre porque poucos são aqueles que se permitem conhecer seus verdadeiros desejos (e repulsas) – que ora se modificam, ora se renovam, ora se dissipam... –, motivadores da vontade, o que acaba por tornar ainda mais difícil qualquer decisão. Quando não se sabe ao certo o que lhe satisfaz verdadeiramente, qualquer escolha deflagrará um sentimento de vazio, de frustração, que remeterá inevitavelmente à idéia da prisão incondicional.

E nesse contexto, já que me empolguei com o Google, vale registrar que Descartes, lá nos idos de mil seiscentos e lá vai pedrada, já afirmava que “age com mais liberdade quem melhor compreende as alternativas em escolha”. Quanto mais claramente uma alternativa apareça como a verdadeira, mais benéfica – frente aos anseios e desejos de cada um –, mais fácil se torna a sua escolha.

E viva a psicanálise!!!

Por não conhecermos nossos desejos – e motivações – acabamos fugindo das nossas escolhas num grande esforço para evitar a frustração. E ficamos inertes. Passivos. Tristes. Não nos damos conta de que, no final das contas, só acerta quem age. E somente a ação gera alegria. Por isso é essa a escolha mais acertada: a escolha de agir, de escolher!

A alegria é a expressão do prazer de estar vivo. Vida que tem sentido. Vida que é vivida em liberdade. E a frustração – o erro ou o pecado – é sempre uma possibilidade na vida dos que agem, dos que escolhem, dos que vivem a vida na plenitude de sua liberdade.

E somos livres para nos arrepender, para voltar atrás, para recomeçar...

Quem foge do sofrimento, foge da vida. E não há melhor imagem para essa máxima do que aquela retratada no filme do Wim Wenders, “Asas do Desejo”, no qual um anjo, diante do chamado do amor, resolve se deixar levar, tendo que abandonar sua condição de anjo e optar pela existência humana. O processo desta transformação tem inicio quando ele se abandona em queda livre, do alto de uma torre, e se deixa espatifar no chão. Ao se levantar, observa com surpresa um corte em sua testa, de onde escorre um líquido vermelho, quando então reconhece estar vivo.
Todas as escolhas são essencialmente boas e ruins, até porque excludentes. E o valor da liberdade estará apenas no olhar daquele que escolhe viver.

Nem a estabilidade, nem a instabilidade nos tornam livres, uma vez que a liberdade é anterior a elas. A liberdade é intrínseca à nossa existência e nos permite simplesmente decidir, o que quer que seja.

Ser livre é ter a possibilidade de dar a si mesmo as regras a serem seguidas (Kant) – ainda que a regra seja a renúncia a todas as regras. Somos livres para sermos livres ou prisioneiros de nós mesmos. Somos livres para sermos felizes ou tristes. Somos livres para viver. Somos livres para morrer. Somos livres para escolher, escolher e continuar escolhendo nosso próprio caminho.

2 comentários:

Renata disse...

A propósito... Esse ninguém comenta pq ninguém chega até o final?rsrsrsr
Muito doido!hahahahahaha

Bela disse...

Deve ser, amiga!!!
É exatamente como indica o marcador: "Papo de boteco [para] poucos loucos [com] muito chopp e coisa e tal".