quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Costas

Fotografia de Pedro Rios. Palestra-colóquio em Lisboa, 2006.
Encantada com a leitura do Atlas de Borges e sua Kodama - tida pelos leitores mais ciumentos de Borges como a "Yoko Ono da Argentina" -, pesquisando um pouco mais sobre a concepção desse livro, acabei descobrindo uma pérola. Em uma palestra-colóquio promovida em Lisboa no ano de 2006, José Saramago participou ao lado de María Kodama - viúva de Jorge Luis Borges -, e, convidado a entrevistá-la, em meio a questões sérias e pertinentes, sem muito tempo a perder, logo chegou ao ponto que realmente interessava:

'Como é que Borges dizia que te queria? Explica-nos, explica-nos!'
(...) Kodama ria-se ao início e depois já estava às gargalhadas 'Que palavras utilizava para dizer que te queria…', continuava o autor português. 'Isso é importantíssimo. Posso não ser um bom escritor, mas a fazer perguntas sou um génio!', brincou o Nobel, que assim pôs a sala inteira a rir à gargalhada.

Fotografia do acervo pessoal de María Kodama publicada no jornal El País.
María e Jorge usavam vários nomes, a maior parte ligados à literatura. 'Um desses nomes era tirado de um conto que ele me tinha dedicado em segredo e que se chama Ulrica (in O Livro da Areia). Quis gravá-lo no túmulo em Genebra e em lugar de María Kodama e de Borges coloquei o epitáfio ‘De Ulrica a Javier Otárola’, porque eram nomes muito especiais para nós. Ulrica vinha também um pouco da Elegia de Marienbad, de Goethe, que ele me recitava em alemão. Ulrike von Levetzow era o nome da jovem amante de Goethe e quando ele fazia amor com ela contava as sílabas nas suas costas, acariciando-as com a mão. Bem, já está dito'. E María Kodama e José Saramago prosseguiram com outro assunto antes que a conversa ficasse mais complicada".

(Trecho da matéria "Kodama entre o gênio de Borges e as perguntas geniais de Saramago", por Isabel Coutinho, publicada no blog Ciberescritas, em 21.jun.10)

E assim, acho que acabei encontrando a resposta mais bonita para a questão. "Que Atlas é esse, afinal?" Tenho para mim que é um mapa desenhado por mãos que, às cegas, vão deslizando por riosmorros e costas até chegarem ao literal.


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