domingo, 8 de agosto de 2010

Sabe-se lá

(Ruínas da Sé, Cidade Velha, Portugal)

Certa tarde, ao me deparar com o nome de um dos três irmãos na leitura de uma das cenas de Hamlet, imediatamente lembrei-me dos outros dois, mas percebi, assustada, que justo do mais próximo, do mais lembrado, do mais presente, sempre, o nome me faltou. Não podia ser. Logo ele. Algo não estava certo. Fechei os olhos, forcei a memória: lembrava de suas histórias, do seu sorriso naquela fotografia perdida no tempo, mas o nome não vinha. Lançado no esquecimento para sempre naquele instante. O desespero tomou conta. Angústia de não saber. Perda de um bem querido. Abandonei todos os pensamentos que pudessem atrapalhar na busca daquele nome esquecido por engano, contra a minha vontade e, certamente, no lugar de outro.

"André? Marcelo? Guilherme? Não, não, não" - Outros nomes passaram por mim desassossegados, outras horas fugiram, o dia chegou ao fim. Nenhum vestígio de lembrança. Nada. Pensei em reler cartas antigas onde poderia facilmente encontrar, entre uma novidade e outra, notícias de longe que me levariam ao nome dele, mas resisti. Desejava encontrá-lo sozinha, dentro de mim, onde sua lembrança habitava e, sabe-se lá porque, cedeu às ruínas do esquecimento.

Dois dias se passaram. Muito trabalho. Muito esforço.

Nada.

E mais outro.

Silêncio absoluto.

"Chega" - Parti rumo à prateleira de vídeos e, um por um, tirei todos do lugar até chegar ao disco gravado com as letras garrafais que me trariam de volta... Ricardo. "Não pode ser" - Fiquei perplexa: o meu bisavô se chamava Ricardo. O irmão de minha mãe se chama Ricardo. Esse não era um nome comum, um nome qualquer. Era familiar demais para ser esquecido... e foi. Para sempre. Não consegui me lembrar. Que dor.  O que André, Marcelo e Guilherme traziam em comum além da letra erre - representante do esquecimento de Ricardo -, metáfora da errância de que a vida é feita, era a lembrança de um fim.  

André e Marcello, ex-namorados, muito amados, queridos, mas que o tempo se encarregou de afastar para sempre. Da vida. Do coração. Da lembrança cotidiana. Finais tristes - como devem ser mesmo os finais -, que permitiram que, a partir deles, minha vida pudesse continuar pulsando, errando, seguindo. Como deve ser mesmo.

Guilherme, o filho que não tive, o nome que não nomeou a criança não concebida, um nome sem dono, sem sentido, que guarda sob o manto da esperança de ainda tê-lo, as amarras que me impedem de tentar qualquer outra coisa... sem ele. Ele que me remete a outra letra - L -, um dono sem nome que continua me levando a Ricardo. Filho que não tive. Família não-famíliar. Esquecimento que revela a perda do que não foi. Ainda. "Pra onde?" - penso eu aqui, rindo, neste último lampejo associativo antes do sono me vencer definitivamente por hoje - "Pra lugar nenhum". E continua por aqui, cutucando, remexendo, ocupando, sabe-se lá de que jeito. Sabe-se lá a que preço. Sabe-se lá até quando.

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