segunda-feira, 29 de junho de 2009

Lugares Vagos

(Fotografia de Caio Paganotti, “Na Multidão”, Zombie Walk, São Paulo, 2008)

Há muito tempo não pegava o metrô para ir ao trabalho. Para mim, o carro é muito mais do que um meio de transporte: é um templo, um refúgio, um abrigo; mas naquele dia, considerando a programação after work, achei por bem deixar Tchury em casa e fazer uso do bom e velho táxi como providência para um regresso seguro.
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No balanço do vagão, segui confortável na companhia de Duras e seu amante chinês de Cholen até a estação da Praça Onze, quando percebi, em meio a tantas pessoas que se esbarravam para entrar e sair da composição, a chegada de um casal que se destacou da multidão aos meus olhos. Era um casal não-casal. Deviam ter mais de 70 anos. Andavam a certa distância. Não se falavam. Mal se olhavam. Ele se apoiou na porta do vagão com a cabeça baixa. Ela em uma das cadeiras, com o olhar altivo. Não demorou muito e alguém ofereceu o assento ao senhor de cabeça baixa. Ele agradeceu, disse que não demoraria a saltar, mas gentilmente se dirigiu à senhora e perguntou: “Doca, quer sentar?”.
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Não, ela não queria sentar. Talvez quisesse mais do que isso, talvez nem tanto, mas naquele momento conformou-se em rechaçá-lo: “Você está louco em me chamar de ‘Doca’? Acha que eu dou intimidade a qualquer um para me chamar desse jeito?”.
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Constrangido o homem se voltou para mim e murmurou: “Não repara, não. Ela é assim mesmo”; voltando a cabeça para baixo enquanto a mulher sorria ironicamente pelas suas costas - talvez sugerindo um caráter espirituoso para a sua atuação; talvez buscando alguma cumplicidade com o público que assistia ao bizarro espetáculo.
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Subitamente interessada pelo que se passava ali, respondi ao homem resignado: “Por mim não se preocupe. Cada um tem o seu jeito mesmo”, e sem esboçar qualquer reação o homem se manteve estático junto à porta do vagão, cabisbaixo, olhar perdido, permanecendo naquele lugar onde o desejo da mulher lhe suplicava: longe.
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Com a saída dos passageiros na Central do Brasil e a liberação de algumas cadeiras, o homem que antes recusara o assento oferecido por um jovem rapaz, agora se antecipava para sentar em um dos lugares vagos junto à porta. A mulher que o acompanhava imediatamente buscou um assento junto a ele. Olhou-o com curiosidade, como se esperasse alguma provocação, alguma palavra, alguma atenção, algum contato, algum afeto, algum olhar, que não veio. O homem se manteve em silêncio olhando para o chão. Ela ficou aliviada, quase feliz.
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Ao chegar à estação da Uruguaiana o homem se levantou pacificamente e, sem olhar para trás, partiu. A mulher rapidamente se levantou para acompanhá-lo. Partiram juntos. Cúmplices. Ausentes. No silêncio fecundo daquela manhã fria. Na árida calma daqueles corpos sonolentos. Quase felizes.

Um comentário:

Anônimo disse...

"a vida como ela é".

o metropolitano nos dá essa sensibilidade de ver o pontinho de areia na praia...

bj
Anonimo