domingo, 2 de novembro de 2008

E Nenhum Sacerdote o Acompanhou

Neste dia de finados, uma homenagem aos que vivem e morrem de amor os 365 dias do ano....

"Werther tremia, seu coração parecia prestes a dilacerar-se, mas ele voltou a pegar o manuscrito e leu com voz entrecortada:
.
'Por que é que me despertas, hálito da primavera? Fazes-me carícias e dizeis: Eu te orvalho com gotas do céu. Mas o meu tempo de murchar vai próximo, está próxima a tempestade que há de arrancar minhas folhas. Amanhã chegará o viajeiro, chegará aquele que me viu em meu esplendor, os seus olhos me buscarão olhando em volta na campina, e não me encontrarão.'1

Toda a violência destas palavras caiu sobre o desgraçado, e ele lançou-se aos pés de Carlota. Dominado pelo desespero, pegou as mãos dela, apertou-as aos seus próprios olhos, depois à testa, enquanto Carlota pareceu sentir fundo a atravessar-lhe a alma o pressentimento do horroroso projeto que ele havia concebido. Os sentidos da moça turvaram-se, ela apertou-lhe as mãos, voltando a segurá-las depois junto ao seio, inclinou-se pára ele num movimento doloroso e as faces ardentes de ambos se tocaram. O universo desvaneceu-se para eles. Werther envolveu-a nos braços apertando-a ao peito e cobriu seus lábios trêmulos e balbuciantes com beijos furiosos. 'Werther!' disse ela com voz abafada e tentando desviar-se. 'Werther!' E com débil mão procurava afastá-lo do seu seio.

'Werther!', ela exclamou enfim, em tom mais imperativo e mais nobre. Werther não pôde resistir, deixou-a desprender-se de seus braços e lançou-se ao chão diante dela como um desesperado. Ela levantou-se bruscamente e, cheia de perturbação, tremendo entre o amor e a cólera, disse-lhe: 'É a última vez, Werther! Nunca mais me vereis'. E em seguida, lançando ao miserável um olhar cheio de amor, correu para o quarto ao lado e trancou-se dentro dele. Werther estendeu os braços em sua direção, mas não se atreveu a retê-la. Estava prostrado ao chão, com a cabeça recostada ao canapé e ficou mais de meia hora naquela posição até que um rumor o chamou à realidade. Era a criada querendo pôr a mesa. Ele ia e vinha pela sala e, quando voltou a se ver só, aproximou-se da porta do gabinete e chamou em voz baixa: 'Carlota! Carlota! Só mais uma palavra, um adeus'. Ela manteve-se em silêncio. Ele aguardou... e rogou... e tornou a aguardar, até que enfim arrancar-se da porta exclamando: 'Adeus, Carlota, adeus para sempre!"

1. Tradução do Berrathon, de Ossian-Macpherson. O poeta canta e antecipa sua morte.

(Goethe in "Os Sofrimentos do Jovem Werther", Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 175/176)

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