sexta-feira, 20 de junho de 2008

Cada Um No Seu Quadrado

“Festa estranha com gente esquisita”. Essa era a promessa para aquele sábado à noite.

Depois do e-mail avisando que a festinha aconteceria naquela semana, ninguém mais sossegou. Não se falava em outra coisa.

Já tinha ido à edição anterior do evento e, desde então, não conseguia esquecer a batida mais cosmopolita do planeta (já ouviu falar em Eletro-salsa, Bhangra, Flamenco Rap, Latin Soul, Balkan Beat?), os filminhos de sacanagem mais kitschs da história dos filminhos de sacanagem, e os freqüentadores mais alternativos do universo alternativo de Santa Teresa.

Avisei a todos os navegantes do meu mail list que o segredo para a curtição do evento era o total desapego a regras, convenções, valores estéticos e conceitos musicais muito rígidos... Ou seja: “era noite para dar risada”!

De todos os convidados, habilitaram-se a ir comigo apenas o primo do Zagril (um gato, diga-se de passagem) e meu amigo solteiro-muito-à-contragosto de boina preta e charutão estilo “Guevara”, totalmente no clima do evento.

Coloquei “Tchury-Móvel” para rodar e lá fomos nós, Santa acima.

Na porta do casarão, aquela figura que poderia se chamar de hostess informou que não havia troco para a minha nota de 50, e que só poderia pagar a diferença quando tivesse o dinheiro em caixa. Diante do meu semblante totalmente inexpressivo, a curiosa personagem da portaria perguntou rapidamente, já com as pulseirinhas na mão:
- E aí, vão querer entrar assim mesmo?

“Pergunta estraaaanha” – pensamos ao mesmo tempo –, mas como o plano era nos divertirmos a qualquer custo numa festa pouco convencional, nem pensamos duas vezes:
- Lóóógico.

Na escadaria da casa percebemos que quanto mais subíamos, mais degraus brotavam do chão – e olha que ainda nem tínhamos começado a beber. Começamos a imaginar que a escalada não terminaria nunca, quando então, já quase chegando ao Pico da Neblina, começamos a ouvir, ao longe, o som que vinha da pista. E logo descobrimos que era APENAS o som que vinha da pista, nada mais: nenhuma conversa, nenhum burburinho, nenhum ser vivo habitando aquele local.

No convite havia a informação de que o evento começaria às 22h, mas ao chegarmos no limite da nossa resistência física para subir degraus no escuro fomos surpreendidos com a bizarra constatação de que estávamos, de fato, abrindo a festa... à meia noite.

O comentário foi inevitável:
- Caralho, não tem ninguém nessa porra!
- Calma. Tá cedo...
- Cedo é o cacete! Não vem ninguém!!!
- AHAHAHAHAHA...
- E você, ta rindo do quê aí?!
- De nervoso, acho.
- Bom, agora não tem que o fazer. Já escalamos isso tudo mesmo, o convite tá pago, temos que esperar o troco...
- E viemos aqui para dar risada...
- Entãããão...
- Vamos BEBER.

E lá foram para o bar os guerreiros da furada, que, obviamente, não desistiriam assim tão fácil daquele audacioso projeto de sábado à noite.

Enquanto o som esquisito rolava na pista vazia, o bar era só nosso.

O primo do Zagralho (gatinho ele) se aproximou daquilo que poderia se chamar de “caixa” e falou com a senhora de idade que ali se acomodava em seu vestidinho preto, muito curto e apertado:
- Oi. Você me vê uma caipirinha, por favor?

E como se estivesse diante de uma turma do jardim de infância, a extravagante senhora desembestou a falar pau-sa-da-men-te:
- Boa noite... Sim, claro... São sete reais... Aí você me paga, e eu te dou uma fichinha... Com essa fichinha que eu vou te dar, você se dirige ao outro balcão e fala com o rapaz que vai te atender ali... Entrega a fichinha e fala para ele o que você quer... Já está escrito na sua fichinha que é caipirinha, mas é importante que você explique como vai querer a sua caipirinha, porque, afinal, ela poderá ser feita com cachaça, vodka, e uma grande variedade de frutas... Então, não esqueça: você deve levar a fichinha para aquele rapaz e...

Antes que ela continuasse a explanação, o primo gato do Zagrilo, com pressa para começar os trabalhos, se antecipou:
- Tá ótimo. Agora, dá o meu troco, por favor!

E lá fomos nós para o final daquele mesmo balcão – imaginando como seria enfrentar aquela fila daqui a duas horas, caso outras pessoas resolvessem vir à festa – falar com o rapaz que já tinha ouvido toda a ladainha da senil colega, e, não sei se por compaixão ou mero bom senso, se limitou a perguntar:
- Cachaça?
- Claaaro.

Assim, munidos de copos calibradíssimos e na ausência de coisa melhor para se fazer – por ora –, como verdadeiras crianças hiperativas e desocupadas, partimos para “desbravar” o local e descobrir todas as curiosidades daquele casarão semi-abandonado.

[Muitos impulsos libidinais em jogo, essa é a grande verdade]

De repente, não mais que de repente, olhamos pela sacada da varanda e observamos a chegada de algumas pessoas no portão da casa. Por um momento, pensei em gritar “FUJAM, FUJAM ENQUANTO É TEMPO”, mas quando me lembrei do troco que ainda não tinha recebido, achei por bem deixar a galera entrar sem maiores manifestações.

[Galera de três ou quatro, vamos deixar claro]

Nem preciso dizer que rapidamente me dirigi à entrada da casa para dar as boas vindas aos nossos novos companheiros de festinha fantasma... Até porque, era mesmo uma imensa alegria poder compartilhar com pessoas diferentes (daquelas que foram comigo) desse evento tão... VIP.
.
Um pouco ofegantes pela subida, chegaram à casa uma senhora de uns 50 anos, gordinha, com o cabelo na cintura e calça de bali; um cabeludo fortinho, com camisa regata, sandália de couro e calça de bali; e um bigodudo, de chapéu panamá, camisa de botão com a estampa de um belo negro nas costas e calça de bali.

Quanto a mim, nem pensei duas vezes:
- Boa noite, gente!
- Boa nooooite – responderam em coro, sorrindo.

E o cabeludo se virou para o meu amigo solteiro-desesperado, como se o conhecesse de longa data, e perguntou:
- E aí, viu a Renata?

No mais absoluto silêncio e amedrontado com o que ainda poderia estar por vir naquela noite, meu amigo limitou-se balançar a cabeça e sair caminhando lentamente em direção ao bar.

O estranho é que os nossos novos amigos estavam realmente super contentes! Não acharam nada demais chegarem àquela festa de três participantes, à uma e pouco da manhã, e serem recebidos por uma maluca sorridente, semi-bêbada, semi-confusa, totalmente free hugs e sem calça de bali (porém vestida, atenção).

Estranho? Que nada...
- Tá cedo – disse o gatinho do primo do Zagrogue
- Vamos beber mais.

No balcão do bar, nosso amigo solteiro-sem-previsão-de-bom-tempo não teve outra escolha senão se comunicar com excêntrica senhora do caixa para adquirir mais bebida alcoólica:
- Oi. Duas cervejas, por favor...
- ...E tem copo?

Nesse momento, a ex-professorinha de jardim de infância se transformou numa verdadeira vendedora de programa de telemarketing mandou de lá:
- Sim, claro. Temos vááários copos. É só escolher. Nesta embalagem aqui temos cem deles. Descartáveis.
- Noooossa – disse o amigo – Quero um desses.

E lá para as tantas – acreditem – o inesprado aconteceu: muitas pessoas começaram a chegar. Vans e mais vans aportavam a todo o momento na entrada do casarão, com caravanas das mais longínquas regiões do planeta, quiçá, de astros contíguos de nosso sistema solar.

O som na pista começou a melhorar consideravelmente – ou foi o álcool que subiu rápido? –, os filminhos de sacanagem começaram a rolar e eu, óbvio, quis assistir. O primo do Zagringo gato também – e ganha um doce quem adivinhar o por quê.

Já nosso amigo solteiro-por-ora sumiu em meio à fauna de turistas, jornalistas e malucos em geral que se formou no local.

Logo no início do primeiro filme, o título já dizia tudo: “Don’t Eat My Mother”.
- Muito justo – pensei comigo.

Filminho rodado na década de 60. Várias gordinhas peladas e seus penteados com rolinhos e laquê correndo de um lado para o outro da tela. Sensacional... Mas sacanagem mesmo, que é bom, quase nada.

Segundo filme: “The Pig Keeper’s Daughter”. Não sei se por causa do álcool, da música, ou da marola produzida pelos demais freqüentadores do evento, não consigo me lembrar de muita coisa além daquela atriz loira de peitões de fora, calçolão gigantesco, deitada por cima de um cara com calça boca de sino – esse deve ser dos anos 70 – fazendo caras e bocas quando, do nada, fecharam um close no ombro do rapaz, que começou a ser freneticamente arranhado pela mocinha excitada de mentirinha. Nesse momento, veio o take antológico do filme, com a seqüência do braço do moço despencando do sofá, não deixando dúvidas: "Sim, ELE desmaiou de tesão". E EU morri de rir. Uma obra prima.

Entre um gole e outro daquela cerveja salgada – que alguém disse que deveria ser por causa do sal colocado no gelo para “conservar” a temperatura, mas que depois de já ter bebido tanto não tive coragem de perguntar –, percebi uma criatura venusiana cheia de conversa mole para o lado do primo gato do Zagrado. De repente, quando apareceu no telão a palavra “Marijuana” em letras garrafais – que eu já não sei mais se era um capítulo do filme anterior, ou se já era um terceiro ou quarto filme que começava – ela gritou de lá para mim:
- Ei, tira aqui uma foto.
- Como é que é???
- É tira aqui uma foto nossa aqui.
- “Nossa” “QUEM”, minha filha???

Sentindo que ia começar a apanhar em menos de dez segundos, a habitante do nosso planeta vizinho tentou consertar:
- De todos nós, amigaaa! Nós e aquela imagem da “marijuana”! A propósito, não tem um aí pra gente não?
- Amiga é o cacete, filhona! Não tá achando que pra uma criatura do teu tamanho tá querendo demais não? Tá querendo fotinho, tá querendo ondinha, tá querendo gatinho... Some daqui, fia! Volta pro ralo, volta! – se ela assistiu o “Cheiro do Ralo”, entendeu o recado. Se não assistiu, entendeu do mesmo jeito.

[Um segundo depois já estava eu lá com aquela nítida impressão de que fiz merda...]

O primo do gato Zagrindo começou a rir consideravelmente e eu saquei que a partir dali – e para todo o sempre – estaria completamente sem moral para fazer qualquer tipo de doce.

Entregue o ouro para o bandido, nada mais restava a fazer senão rezar para que ele não sapateasse muito no meu pobre coraçãozinho apaixonado – oh, como é cafona o amor.

[Depois dessa, podem zoar ao vivo. Eu mereço]

Nosso amigo solteiro-só-risos reapareceu em seguida muito bem acompanhado por uma argentina torcedora do River Plate, e eu nem preciso dizer que eles se apaixonaram, se casaram, foram felizes para sempre naquela noite e tiveram muitos filhotes que já nasceram gritando:
- ARRENTINA, ARRENTINA, ARRENTINA!

[Que horror. O álcool é foda...]

E a facção “viada” do evento começou a se manifestar.

[A-DO-RO]

Tinha de tudo: cigano de cabelos compridos desenvolvendo dança flamenca ao som de “Rock the Casbah” – The Clash, isso mesmo! – em ritmo caribenho, bibas alternativas de óculos aro preto tentando ser discretas diante dos enormes dinamarqueses assados pelo sol carioca, e outras mais audaciosas que não estavam nem aí para nada, para ninguém, e super dispostas a se divertir tanto ou mais do que a gente.

Nesse momento, enquanto os rapazes hétero começavam a sentir o drama e, conseqüentemente, considerar a idéia de partir dali urgentemente, entre uma beijoca e outra acabei me desequilibrando e descobrindo um desnível no piso da varanda - que parecia a ausência de uma lajota - com uns três ou quatro centímetros de profundidade.

[E você deve estar se perguntando qual a importância desse fato para a história. E eu vos digo]

Para um casal de bêbados, cuja mulher tem 1,77m de altura – ao nível do mar –, contra 1,73m do aguerrido alpinista, descoberta como essa tem grande importância não só para a história, como para todos os envolvidos:
- CADA UM NO SEU QUADRADO, BELA! CADA UM NO SEU QUADRADO!!!
- E bunda na parede "gato", porque em terra de “festa estranha com gente esquisita”, quem tem olho é cu!

E afinal, se vale aquela máxima de que "criança que começa rindo, acaba chorando"...
- Já nos divertimos bastante por um sábado à noite... Hora de ir para casa.

12 comentários:

Rodrigo P disse...

Que texto grande...
vou correr e termino de ler na volta.
Vc escreve bem, hein? bem hein? bem hein? (tipo um eco de rima ou uma rima ecoante)
Agora, como numa sessao de analise, o que acontece bem no inicio, pode na verdade ser de tudo o que se trata. Quando a mulher te disse que nao tinha troco pra 50 a meia noite, tava dizendo: festa completamente vazia. So que ela ainda te deu opcao, foi boazinha. E vc ainda escolheu entrar. Francamente...
Pelo menos rendeu um bom texto.
texto que vou terminar de ler depois de correr.
Um beijo :)

Isabela Dantas disse...

hal.dol:
Aprendi recentemente que as coisas na vida nem sempre são exatamente como parecem ser.
Podem mudar de repente... e surpreender bastante.
E as surpresas poderão ser boas ou ruins dependendo apenas do nosso olhar...
Como li recentemente num texto que me emocionou muito: “Talvez os encontros não sejam esplêndidos, talvez os encontros não sejam máximos, talvez os encontros não sejam um sucesso, mas o que um encontro tem de bom é que ele exige da gente o movimento”.
Segundo o autor, o “esplendor” do sintoma é o que paralisa a gente, "impede o passo, atrapalha o tropeço" - achei muito bom isso.
Portanto, fujamos desse esplendor, Haldol!
Brindemos aos encontros! “Falhos, feios, bons, regulares, mas encontros”.
Termina de ler o texto e depois me diz.
Beijos.
:)

Rodrigo P disse...

ja corri, terminei de ler o texto e nao entendi nada do que vc disse no seu comentario. Mas continuo achando o texto bem legal.
um beijo :)

Renata disse...

Desenha Bela!

Isabela Dantas disse...

HAL.DOL:
O que eu quis dizer no comentário anterior - referindo a história que você lia - é que quando escolhemos entrar na festa, apesar de sabermos que não estaria cheia - afinal, não havia troco suficiente no caixa - apostamos que poderíamos nos divertir independentemente de qualquer coisa. E conseguimos!
Poderíamos realmente não ter conseguido, mas nesse caso teríamos ao menos tentado dar risada!
E tentar ser feliz é sempre bem legal!
De qualquer forma, ainda que não tenha entendido o comentário, fico feliz que tenha gostado do texto.
Beijos.
:)

RENATA:
Eu não sei desenhar direito, amiga! Se soubesse faria um coração enorme para você aqui!
Beijobeijobeijo!
LUV YAAA!

Anônimo disse...

Bela,

Sou suspeito para dizer algo, mas direi... Foi mais uma noite histórica naquela mansão que tem uma vista sensacional!
Pessoas dos quatro cantos do planeta e até de outros planetas (haahah)!!!
Estive até em Buenos Aires (com a já famosa e charmosa boina) bebendo um bom vinho acompanhado de uma fanática torcedora do River... E o mais engraçado é que pude falar a mesma língua dela (entendeu o trocadilho)!
Hahahaah!!!
Vc é genial nisso!!
Beijos,
Dani.

Obs: Tempo frio coração valente e quente minha gente!!!!!!!!!!!!

Isabela Dantas disse...

ANÔNIMO/DANI:
Nossas saídas são sempre muito pitorescas e engraçadas! Não tenho como não registrar tudo por aqui!
Fico MUITO feliz que tenha gostado tanto do texto quanto da nossa festinha maluca!
E sexta tá chegando, hein?
Já tô de olho na programação para garantir o textinho nosso de cada dia! (Risos)
Muitos e muitos beijos!

Isabela Dantas disse...

RENATA:
Neste caso recomendo... SKOL.
Para o sapo descer redondo.
Para a trolha entrar redonda.
Para a vida fluir redonda, de um modo geral.

Anônimo disse...

Pena que não aguentei até o final da noite... Acontece... Mais noites bizarras virão e disso não podemos (e nem queremos) escapar! Bjoks, Camila.

ps: realmente, a senhora "caixa" era bem explicadinha e leeeenta...

Isabela Dantas disse...

ANÔNIMA/CAMILA:
Amiga querida, companheira eterna de noitadas insólitas...
Nós, simplesmente, não socializamos em festas pouco bizarras. Essa é a verdade.
:)
E agora que estou descobrindo - em análise - minhas tendências "transgressoras", nem imagino como será daqui pra frente!
(Risos)
beijobeijobeijo

Juliana Pimentel Pestana disse...

Atentíssima e com gargalhadas solenes, eu cheguei ao fim do texto...

Ai, delicioso. Amei!

Bjo grande.

Isabela Dantas disse...

JULIANA PESTANA:
Amiga linda e querida!!!
Uma delícia é ter você por aqui!!!
Bom demais que gostou da historinha!
Volta logo para que possamos dar mil gargalhadas JUNTAS - das historinhas, das fofoquinhas, e do que mais der vontade!!!
Muitas saudades de você!
Beijos mil!