quarta-feira, 9 de abril de 2008

A Última Carta

Rio de Janeiro, 12 de março de 2005.

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São 00:56h de uma sexta-feira para lá de abafada. Não me lembro a última vez que peguei papel e caneta para escrever alguma carta, ou registrar algum sentimento - o que provavelmente aconteceu na mesma ocasião -, mas com certeza foi para você.

Não sei se estes pensamentos algum dia chegarão ao seu destino, mas, de todo modo, sinto um grande desejo de registrá-los porque acho que acabei de me libertar, há poucos instantes, de um verdadeiro monstro.

Absolutamente por acaso saquei do alto do armário aquela caixa azul com todas as "lembranças materiais" da nossa história. Meu intuito era tão-somente arquivar a última peça daquele acervo: um cartão de aniversário ainda perdido, solto no meio das gavetas, assinado por você e nosso filho.

Inevitável desenrolar aquele canudo de papel cujas juras de amor já não me recordava. Promessa de um lindo jardim, de um despertar apaixonado a cada dia. Devo confessar que as lágrimas brotaram dos meus olhos. Como agora...

Impossível não vasculhar todos aqueles envelopes, um a um. Sorver todas aquelas palavras esquecidas e absolutamente desvalorizadas pela força dos acontecimentos, para tentar, de algum modo, devolver a caixa ao alto do armário - pela última vez - com algum sentimento bom dentro de mim - afinal, agora faço análise!

E eu consegui.

Uma coisa que muito me machucou nessa separação - muito, muito mesmo - foi ouvir de você, na cama, que já não me amava há muito tempo. Que achava que tinha me amado no início, mas nem disso tinha certeza.

Pensei que carregaria essas palavras comigo para sempre, como uma cicatriz, mas graças ao tal "baú de relíquias" consegui me libertar dessa dor, com a certeza de que não foi tudo um engano. Você me amou sim. Muito. Como eu imaginava. Talvez tanto quanto eu a você.

Nossas fotos, nosso encantamento, nossos planos, suas palavras doces e ao mesmo tempo tão firmes no propósito de me convencer de que era a mulher da sua vida. Tantas declarações, algumas quase alucinadas no meio da madrugada após um lampejo de desejo e saudade.

Fernando Pessoa, Drummond, todos unidos em uma invencível conspiração. Poesia no travesseiro após a primeira noite de amor. Poemas num papel A4, num dia qualquer. Quanta beleza. Quanta pureza. Quanto amor.

Nosso filho agora dorme como um anjo. Essa imagem agora parece fazer mais sentido do que nunca.

Na verdade, não sei se essas palavras chegarão a você... Não sei se vale a pena compartilhar meus devaneios. Agora penso que talvez tenha compartilhado muito pouco de mim com você nos últimos anos... De qualquer forma, se estiver a ler estas linhas, não tente encontrar algum motivo ou finalidade para elas.

A vida é mesmo muito complicada. As pessoas são muito complicadas. Se pudéssemos escrever um roteiro para nossas próprias vidas... refazer as cenas ruins, acelerar a história quando irremediável o mal - talvez para que doesse menos -, ou acionar a câmera lenta naqueles momentos preciosos - para perpetuá-los na memória e no coração... mas nada disso é possível. Temos que viver de improviso, em tempo real. E isso é muito difícil. Não conseguimos.

Nossa história chegou ao fim.

Saiba que hoje meu coração está em paz. Sou muito grata a você pelo tesouro imensurável que me deu - nosso filho lindo - e, mais do que fez por mim enquanto estivemos juntos, pelo que pretendeu um dia fazer.

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