quarta-feira, 29 de abril de 2009

Espelho

(Auto retrato da fotógrafa Luciana Oliveira)
.
Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais, que são três, e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
.
Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo andanças
do mesmo todo.
.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
.
Me confesso de ser homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
.

(Miguel Torga, “Livro de Horas” in “O Outro Livro de Job”, 1936)

Espelho

(Auto retrato da fotógrafa Luciana Oliveira)
.
Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais, que são três, e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
.
Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo andanças
do mesmo todo.
.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
.
Me confesso de ser homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
.

(Miguel Torga, “Livro de Horas” in “O Outro Livro de Job”, 1936)

terça-feira, 14 de abril de 2009

O Triunfo dos Tolos

“Peço que recuses o que te demando,
pois não é isto que desejo”.

(Jacques Lacan, O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: JZE, 1982, p. 152)
.
“Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas, pérolas e rendas e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausíveis. [...] Partindo desse princípio entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante ou de um marido. [...] Que se um homem lhes agradava, era por ter se apresentado primeiro que os outros e que, sendo este substituído por outro, não tinha este senão o mérito de ter chegado antes do terceiro. [...] Veio, a saber, que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. [...] Só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram. A toleima!”
.
(Trecho da crônica “A queda que as mulheres têm para os tolos”, Machado de Assis,1904)

O Triunfo dos Tolos

“Peço que recuses o que te demando,
pois não é isto que desejo”.

(Jacques Lacan, O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: JZE, 1982, p. 152)
.
“Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas, pérolas e rendas e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausíveis. [...] Partindo desse princípio entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante ou de um marido. [...] Que se um homem lhes agradava, era por ter se apresentado primeiro que os outros e que, sendo este substituído por outro, não tinha este senão o mérito de ter chegado antes do terceiro. [...] Veio, a saber, que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. [...] Só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram. A toleima!”
.
(Trecho da crônica “A queda que as mulheres têm para os tolos”, Machado de Assis,1904)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Indomável

(Camille Claudel, 1864-1943, modelo, assistente e amante de Auguste Rodin, fotogafia de 1877)

Qual é a maior virtude do homem? Aprender com a mulher. Qual é a maior virtude da mulher? Ensinar o homem. Personagem masculino preferido? Ricardo III. Personagem feminina? Lady Macbeth. Se não fosse você, o que gostaria de ser? Um cavalo de fiacre.

(Anotações em uma folha de papel feitas pela jovem Camille Claudel, peça integrante da exposição da escultora no Museu Rodin, em Paris, divulgado no site de O Estado de S. Paulo Digital em 06.jun.08)

("Sakuntala" de Camille Claudel, 1888, Musée Bertrand, Châteauroux. Escultura inspirada no conto hindu Kalidassa, no qual uma mulher grávida procura o marido, que não a reconhece por ter ela perdido a insígnia que a nominava sua rainha, tomando-a por impostora. Sakuntala se retira em desespero e uma chama em forma de mulher a levanta e ambas desaparecem. A obra que representa a entrega amorosa apaixonada é a versão de Claudel para "O Beijo", de Rodin; que, posteriormente, realizou "O Eterno Ídolo" que também dialogava com "Sakuntala", numa atitude contida e idealizadora da mulher, revelando o intenso intercâmbio criativo entre os dois.)

Indomável

(Camille Claudel, 1864-1943, modelo, assistente e amante de Auguste Rodin, fotogafia de 1877)

Qual é a maior virtude do homem? Aprender com a mulher. Qual é a maior virtude da mulher? Ensinar o homem. Personagem masculino preferido? Ricardo III. Personagem feminina? Lady Macbeth. Se não fosse você, o que gostaria de ser? Um cavalo de fiacre.

(Anotações em uma folha de papel feitas pela jovem Camille Claudel, peça integrante da exposição da escultora no Museu Rodin, em Paris, divulgado no site de O Estado de S. Paulo Digital em 06.jun.08)

("Sakuntala" de Camille Claudel, 1888, Musée Bertrand, Châteauroux. Escultura inspirada no conto hindu Kalidassa, no qual uma mulher grávida procura o marido, que não a reconhece por ter ela perdido a insígnia que a nominava sua rainha, tomando-a por impostora. Sakuntala se retira em desespero e uma chama em forma de mulher a levanta e ambas desaparecem. A obra que representa a entrega amorosa apaixonada é a versão de Claudel para "O Beijo", de Rodin; que, posteriormente, realizou "O Eterno Ídolo" que também dialogava com "Sakuntala", numa atitude contida e idealizadora da mulher, revelando o intenso intercâmbio criativo entre os dois.)

Do Efêmero

("Le Baiser" de Auguste Rodin, 1886, Musée Rodin, Paris. Obra inspirada no drama dos personagens Paolo e Francesca narrado no Canto V do Inferno de Dante)

“O valor do efêmero é um valor de raridade no tempo. A limitação na possibilidade de gozo aumenta sua apreciação. Qualifiquei de incompreensível que o pensamento da efemeridade do belo pudesse empanar o regozijo que nos traz. Quanto à beleza da natureza, ela retorna no ano seguinte, após cada destruição no inverno, e esse retorno poderia ser designado, em relação a nossa duração da vida, como eterno. A beleza do corpo e do rosto humano, nós a vemos desaparecer para sempre em nossa própria vida, mas a brevidade lhe acrescenta um novo encanto. Se há uma flor que só desabrocha numa única noite, nem por isso seu florescer nos parece menos esplendoroso”.

(Artigo “Do efêmero”, Sigmund Freud, 1915, Trad. Eduardo Vidal)

Do Efêmero

("Le Baiser" de Auguste Rodin, 1886, Musée Rodin, Paris. Obra inspirada no drama dos personagens Paolo e Francesca narrado no Canto V do Inferno de Dante)

“O valor do efêmero é um valor de raridade no tempo. A limitação na possibilidade de gozo aumenta sua apreciação. Qualifiquei de incompreensível que o pensamento da efemeridade do belo pudesse empanar o regozijo que nos traz. Quanto à beleza da natureza, ela retorna no ano seguinte, após cada destruição no inverno, e esse retorno poderia ser designado, em relação a nossa duração da vida, como eterno. A beleza do corpo e do rosto humano, nós a vemos desaparecer para sempre em nossa própria vida, mas a brevidade lhe acrescenta um novo encanto. Se há uma flor que só desabrocha numa única noite, nem por isso seu florescer nos parece menos esplendoroso”.

(Artigo “Do efêmero”, Sigmund Freud, 1915, Trad. Eduardo Vidal)